Jesus tem um amor muito especial por nós. Mas para mim o silêncio e o vazio são tão grandes que olho sem ver, e escuto sem ouvir – Madre Teresa ao Rev. Michael Van Der Peet, Setembro de 1979
É à noite, quando a cabeça pesa no travesseiro, que os mais afortunados se apercebem daquele pequeno espaço que se abre constantemente por entre a torrente de pensamentos e memórias que nos impedem o sono. É nesse interstício que habita o profundo silêncio que nos permeia os dias. E é então que aceitamos que a verdadeira essência dos nossos dias é uma sólida mistura de silêncio e de solidão, e que toda a nossa azáfama, as nossas animadas conversas, as nossas proezas, enfim, todos os elementos com que conscientemente preenchemos os dias são pouco mais que artifícios para escaparmos ao nosso trágico solipsismo.
E o que sentimos é menos o peso do nosso corpo no colchão do que um lento afundar num mar de memórias disjuntas e silenciosas. À nossa volta, no rectângulo do nosso colchão, afogam-se connosco todos os momentos em que nos entregámos a noções de propósito, ou em que acreditámos que um romance pudesse romper a membrana do nosso isolamento. Ao se afundarem, a paralaxe do nosso imenso silêncio distorce todas as boas acções, e todas as nossas esperanças num lastro de solidão e de futilidade que nos puxam sempre mais para o fundo. Deixamo-nos afundar porque este mar é confortavelmente morno, aquecido pela fragilidade das nossas certezas, e por delírios de optimismo, é um mar estéril, asséptico, calmo, com ondas abrandadas pela nossa rendição .
Mais tarde, quando o sono começa a anexar-nos a consciência, e a agonia que este silêncio nos provoca já alastrou por toda a alma e se prepara para dela expulsar a esperança, compreendemos que os Deuses, para serem verdadeiros, têm que ter em si a verdade do silêncio e da solidão, são Deuses que há muito se retiraram deste mundo, abandonando-nos à nossa solidão…
Adelino de Almeida
Março, 2024
Pintura de Tetsuya Ichida, fotos de Manuel Rosário
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