O PEN é um clube de escritores, poetas, ensaístas e narradores, fundado em Londres e que em 2021 completou um século de vida.
Durante o ano de 2021 Teresa Martins Marques, actual presidente do PEN Clube Português, decidiu encetar uma aventura literária e elaborar uma antologia a que atribuiu o nome de “Os dias da Peste”, a qual assinala com a edição de PEN Internacional esses cem anos de luta pela liberdade de expressão, sem fronteiras.
No dia 25 de Outubro de 2021 na Fundação Calouste Gulbenkian ocorreu a apresentação do livro colectivo bem como a entrega de prémios PEN 2020 E 2021.
A literatura não conhece muros e deverá manter-se o legado comum de todos os povos, sendo esse um dos princípios por que se rege o PEN. “Os dias da Peste” é uma antologia que incluiu autores de 58 países convocados a participar.
Na lista de participantes sobressaem sete médicos, sendo cinco deles portugueses, um cipriota e um kosovar, entre os quais me encontro, com o privilégio de contribuir com um conto ficcionado.
Mas este livro dá voz a 272 autores incluindo ainda escritores de nomeada que se associaram ao projecto. Sob a forma de poesia, conto, crónica, carta, páginas de diário ou prosa reflexiva partilharam as suas ambivalências e interrogações, os seus estados de alma e naturalmente as suas angústias e esperanças, reflexos destes dias que nos surpreenderam no nosso quotidiano por força da pandemia de COVID-19.
As seiscentas e trinta páginas deste testemunho ultrapassam os tempos da pandemia da COVID-19, pois relatam outras preocupações mais abrangentes, dando ao termo pandemia um sentido mais amplo, como sejam os tempos de intoxicação progressiva que invade o planeta, tempos do dióxido de carbono e de mais gazes tóxicos, tempos das florestas destruídas e de aquecimento global, sendo também um alerta para a ética ambiental e de sobrevivência, tanto nossa como dos que nos são vindouros.
Esta é uma fonte de preocupações já bem expressas por Van Rensselaer Potter no seu livro “Ponte para o futuro”, escrito no início dos anos sessenta do século passado, numa perspectiva bioética global, de sobrevivência do planeta e da relação do ser humano com a natureza.
Outros aspectos discutidos no livro, nestes tempos “de peste”, incluem o respeito mútuo entre nações, que é um papel muito importante assumido pelo PEN num quadro de saúde pública e não só, terreno fértil para exacerbar medos, xenofobias e outras fobias entre os homens e as mulheres, que sempre ressaltam em momentos de maiores constrangimentos.
Ao promover a literatura, ao defender a liberdade de escrita, acreditamos que estamos a continuar a construção da dita ponte para o futuro, com pontes para a cidadania, para o respeito e para uma política de cultura para a paz. Nesse sentido, estes textos poderão contribuir par alertar os espíritos, para os mobilizar e reforçar a convicção da importância em prevenir outras pestes sociais e politicas, como os populismos que in extremis poderão abalar a própria democracia.
É obvio que o respeito pela liberdade de expressão terá de ser equilibrado com o risco dos chamados “negacionismos”, sem que a palavra tenha o sentido pejorativo que alguns lhe atribuem, mas sim o significado de negar o que se propõe em termos de saúde pública. Perante um bem maior como a protecção da saúde pública, acessível a um maior número de pessoas, uma perspectiva possivelmente consequencialista para a saúde, que é um direito fundamental, será do meu ponto de vista defensável face ao direito à livre expressão de opinião.
A presidente do PEN Clube Português, numa entrevista recente à revista da Ordem dos Médicos, lembra a relevância das fontes e afirma: “é fundamental a consulta das fontes credíveis especializadas, para estabelecer o confronto de opiniões e fazer face à desinformação”
No conto ficcionado, que na minha condição de médica oftalmologista compus para o livro do centenário do PEN, lembrei a alteração da relação entre as pessoas pelo uso da máscara, constituindo os olhos uma enorme fonte de informação, não apenas estritamente clínica, mas de ampliação da relação médico – doente, ao acrescentar ao olhar o sentido poético “de espelho da alma” ou se quisermos de um “ouvir com outros olhos” e consequentemente, uma sempre actualizada capacidade em comunicar.
Comunicar e receber é um dever do médico, porque se a mensagem do mesmo não for entendida o encontro clínico está condenado ao fracasso.
O estigma da doença, que é a expressão do medo de ser olhado de forma diferente e que é algo perigosamente próximo da discriminação, exprime bem o que uma pandemia pode constituir para doentes e para médicos que na verdade são como uma caixa de ressonância, podendo estar ambos do lado da fragilidade humana.
A solidão forçada é outra das tónicas abordadas no livro porque o ser humano, mesmo enfermo, é um animal social. Essa solidão forçada teve seguramente um peso acrescido na vulnerabilidade substantiva a que todo o ser humano está sujeito. Estar isolado amplia a susceptibilidade a ser ferido, induzida pela doença”. E esta pandemia é uma inédita e democrática’ situação sanitária porque como dizia alguém sábio “a doença é um implacável igualizador”, que se ri do berço e da fortuna”.
Imagino que a escrita que levou tantos escritores a responderem à chamada, ajudou seguramente muitos deles a enfrentarem o desconhecido e se estes dias de pandemia trouxeram algo de bom, será mais confiança na ciência, mais respeito pelo outro, mais segurança, mais modéstia e mais solidariedade nas dificuldades sobre a dicotomia medo/esperança.
Este é um livro de esperança e de solidariedade para com o desespero de quem sofre políticas contra os direitos humanos
É um livro de respeito pela liberdade como um direito fundamental e um alerta para o risco da “peste”’ poder sempre voltar. Por isso, a literatura será sempre o lugar onde a esperança se preserva.
Esta é uma obra colectiva que une escritores, emoções e testemunhos, através do mundo num mesmo sentimento de respeito pelos direitos humanos nas suas diversas formas de expressão.
Leonor Almeida
Maio, 2022
Sobre o Pen Club de Portugal
Junto, resumidamente, algumas informações fornecidas pela ainda actual Presidente do Pen Club de Portugal, Professora Dra. Teresa Martins Marques, a quem solicitei dados sobre a breve história deste Clube literário.
As dificuldades de instalação do PEN em Portugal antes do 25 de Abril podem ser facilmente explicadas pelos objectivos que o PEN Internacional, se propôs levar a cabo em todos os países, no respeito pela liberdade de expressão. Foi só depois do 25 de Abril que oficialmente se fundou o actual PEN Clube Português, constituído por Sophia de Mello Breyner Andresen, Maria Amélia Neto, Maria Velho da Costa e Casimiro de Brito, que conseguiram reunir as assinaturas de 24 escritores signatários da Carta de Constituição do Centro Português do PEN.
Esses primeiros sócios f+foram pela ordem de assinatura: José Gomes Ferreira, Maria Velho da Costa, Maria Amélia Neto, Manuel Ferreira, Casimiro de Brito, Pedro Tamen, Vergílio Ferreira, Ana Hatherly, Salette Tavares, José Cardoso Pires, José Palla e Carmo, Eugénio de Andrade, Fernanda Botelho, Fernando Namora, Jacinto do Prado Coelho, E. M. de Melo e Castro, Sophia de Mello Breyner Andresen, Urbano Tavares Rodrigues, Maria Judite de Carvalho, Bernardo Santareno, Paulo Quintela, Oscar Lopes, Miguel Torga e Manuel Alegre.
Em 24 de Janeiro de 1979 foram legalmente eleitos os primeiros corpos gerentes do então PEN CLUB de Portugal, que continua em actividade até ao momento actual, tendo na sua última Direção aumentado o número de associados efectivos.
O livro Os dias da Peste também na forma de e-book é uma obra de coragem editada pela Gradiva.