Ao entrar na Ponte de Arrábida, já se sente o Porto.
Sente-se a aspereza do vento norte.
Para a esquerda avista-se o mar e a Foz do Douro.
Para a direita, o velho Porto granítico com o seu casario cinzento a brilhar ao sol do fim da tarde. Parece uma cidade feita de prata, prata antiga, cinzenta, por polir.
Tentei evitar a cidade do Porto.
Hoje prefiro confrontá-la, estar com ela.
Continua a ser uma cidade incompreensível para mim.
É uma cidade dura, sem concessões.
Talvez tenha prazer, orgulho de me confrontar com a cidade e sair inteira, intacta.
O prazer de ter sobrevivido àquela cidade.
E com o orgulho de ter vencido, vem a ilusão de ainda ser jovem.
Se venci o Porto, não posso ser uma velha.
O Porto simboliza no meu interior, a minha própria solidão.
Se a minha solidão fosse uma cidade, seria a cidade do Porto.
Sigo para Matosinhos, onde nasci e vivi. Terra dos meus antepassados.
Passo perto da Quinta de Monserrate, mas não quero avistá-la.
Vejo andaimes ao longe e um prédio muito alto em construção a tapar a nossa capela.
O lugar onde eu nasci, morreu.
Construiram campos de padel no lugar da minha infância.
Dirijo-me para Leça da Palmeira, praia da minha infância.
Hospedo-me no Holliday Inn.
Começo a sentir-me em casa.
Sinto um apaziguamento, há uma calma que chega… como se alguém me tivesse feito uma caricia!
Sinto-me despreocupada, alegre.
Como se estivesse na casa onde nasci, mas a casa onde nasci morreu.
Não tenho onde deitar a minha infância, a minha infância não tem onde dormir.
À noite, no quarto do hotel, olho a televisão e os seus imensos canais estrangeiros.
Ouve-se o ruído do ar condicionado e o dos elevadores, toda a noite.
Homens de negócios, de fato e gravata, passam no corredor “com ar de chateados”, mortos por irem para casa dormir na sua própria cama. Mas, por vezes, há crianças e pais que falam alto à procura do quarto.
A alegria das crianças, os pais a ralharem, elas a gargalharem, transformam por completo o ambiente cinzento e triste de um hotel para negócios, pegado à Exponor.
São interregnos de alegria, de graça, de colorido, naqueles corredores de alcatifa sinistra.
Estou à procura da casa da minha infância.
Estou à procura do meu quarto de criança, através dos quartos de hotéis onde tento dormir.
Estou à procura de um sentimento de serenidade.
Estou à procura da restituição de um quarto infantil.
Manuela Carona
Julho 2023
Fotos de Manuel Rosário
Isabel Almasqué | 2023-07-19
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Mais um belo texto, Manuela. Parabéns.