Paulo Samu Gundo bateu com força a porta ferrugenta do cansado Toyota Corolla de um azul desbotado pelo sol. O carro está mesmo a ficar velho, pensou enquanto dava umas moedas ao mufana que o ficava a guardar. Tinha conseguido arranjar um lugar à sombra de uma velha acácia naquele fim de tarde quente da baixa de Maputo. O alcatrão estava mole debaixo dos seus Gucci de imitação. No céu amontoavam-se as nuvens escuras que anunciavam a tempestade do fim do dia.
Com um passo decidido Paulo dirigia-se para a estação de caminhos ferro, era um jovem alto atlético de sorriso franco. A sua roupa era informal mas impecavelmente cuidada. Dava a impressão de um jovem playboy elegante. Pensava nas palavras do inspector Matsimame da Judiciária com quem trabalhava há poucos meses. “Vai ao bar da estação dos Caminhos de Ferro e procura a Fátima Beneguana. Ela vivia com a Benvinda Mesquita, aquela que foi encontrada cortada aos pedaços junto à ponte da Costa do Sol. Talvez ela te possa dar alguma pista para solucionar o caso”. Uma missão um pouco vaga, pensava Paulo, mas o faro do inspector Matsimane era lendário na Judiciária. Nunca deixava de o espantar como é que um homem velho, preso a uma cadeira de rodas, que quase nunca saía daquela sala enorme, cheia de dossiers, sabia tudo quanto acontecia na cidade. Como é que, sem hesitar, pedia ao Paulo para subir à estante e retirar exatamente o dossier que era preciso para fazer avançar as investigações. Como é que mesmo aqueles tipos sinistros da SISE lhe tinham respeito e lhe vinham pedir conselhos. Benvinda Mesquita era uma jovem elegante, de tez clara, olhos verdes, muito conhecida na vida noturna de Maputo, vista em todos restaurantes elegantes e boîtes, sempre na companhia de mulungos ricaços. Não tinha emprego conhecido de acordo com a ficha da SISE e recentemente, assinalava a ficha, era vista com Patrick Lebranleur, chefe de fila do grupo francês que estava a investir no gás natural de Cabo Delgado.
É curioso, pensava Paulo, afinal nasci em Maputo e nunca entrei na estação, nem andei de comboio. O enorme e fresco átrio estava escuro e quase vazio. Decididamente os comboios já não eram tão importantes como dantes, pensou. Enveredou pelo cais da esquerda e entrou no bar. Lá dentro parecia ter entrado noutra era, de serenidade e elegância requintada, que contrastava com o caos urbano da Praça dos Trabalhadores onde estacionara o carro. A luz era suave, a temperatura agradavelmente fresca, a música um jazz discreto. Havia maples com estofos de couro verde escuro e um lambril de azulejos art-deco. Sentou-se ao balcão e esperou. Fátima tinha um sorriso cativante quando lhe perguntou o queria tomar. Paulo, atrapalhado, escolheu uma 2M. De facto, apenas bebia refrigerantes, mas ali não lhe parecia adequado pedir a habitual CocaCola. A conversa com Fátima avançava fácil quando viu o medo nos olhos dela e sentiu nas costas a porta abrir-se e um corpo volumoso entrar com o calor da rua…
Manuel Rosário
Dezembro, 2022
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O Bar (cadavre exquis 2)
O rosto de Fátima transfigurou-se; tentou desviar o olhar, fingindo um falso à vontade mas não conseguiu disfarçar um ligeiro tremor da mão que segurava o copo. Paulo virou-se na direcção da porta e viu um homem alto e corpulento, vestido de fato claro e gravata, com um chapéu que
Minnie freudenthal | 2022-12-11
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Quem era esse vulto enorme que entrou no Bar?
Manuela | 2022-12-11
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Gostei muito. Mas fiquei curiosa….Texto muito bonito. Nunca fui ao Maputo, mas ao ler, ia sentindo a cidade
Isabel Almasqué | 2022-12-12
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Manuel, o texto está muito bem escrito e descreve muito bem este inesperado bar, na estação de comboios de Maputo, onde também já estive. O texto é para continuar? Fiquei com uma dúvida: a Benvinda Mesquita e a Paula Mesquita são a mesma pessoa?
Jose Vaz Carneiro | 2022-12-16
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Então e o resto Manel ??? Isto é Coitus Interruptus !!!!
Adelino | 2022-12-20
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Muito bom. Quero mais!