Garrison Life at Vindolanda by Anthony Birley, 2002 reprint 2007
Life and Letters on the Roman Frontier by Alan K. Bowman, 1994, 2008
A primeira vez que os Romanos puseram os pés nas Ilhas Britânicas foi durante o consulado de César em 55 antes de Cristo, durante as campanhas da Gália.
Foi só para dizer que lá estiveram. Voltarão mais tarde.
E após um hiato de noventa anos, durante o reino do imperador Claudius em 43 dC, começou a colonização das Ilhas Britânicas.
Durante quarenta anos seguintes, vários fortes foram construídos. O mais importante foi Vindolândia. Entre 80 dC e 122 dC, a ocupação destes castros foi permanente. A muralha de Adriano só foi construída a norte, mais tarde, em 122 dC.
Em 1973 foram descobertas, em Vindolândia, pequenas tabuinhas escritas. Desde então, centenas foram encontradas. São registos de contas, cartas entre vários habitantes, listas de vitualhas, de roupa para vestir, de ferramentas, recados breves, relatórios militares com listas do pessoal activo e na reserva, requerimentos de licença para férias, de despesas de deslocação em viagens oficiais, referências breves às crianças que lá viviam, queixas de maus tratos por parte dos tropas, cartas de recomendação, listas de preços, encomendas de cerveja… é um nunca acabar de deliciosas e prosaicas indiscrições. Estas revelaram-se um acervo documental de enorme interesse arqueológico.
Há dezenas de nomes, mas os mais citados são os de Flavius Cerialis e sua mulher Sulpícia Lepidina. Flavius foi o Praefectus (Comandante) da Nona Cohorte de Batavians que, juntamente com uma Cohorte de Tungrians, estava estacionada em Vindolândia em 100 dC. Através da análise desses nomes descobrem-se as origens étnicas e tribais, a classe social e as relações familiares das pessoas que por lá passaram e que foram contemporâneas de Flavius e de sua mulher.
A actividade quotidiana naquele tempo, em Vindolândia, envolvia artesãos, escravos e libertos, negociantes e caixeiros viajantes, visitantes em trânsito, mulheres e namoradas, e as populações nativas, os Britões. Centenas de personagens são ocasionalmente mencionadas nas tabuinhas. Dos nativos quase não se fala, e quando mencionados, é de uma maneira paternalista e desfavorável.
Relacionado com Sulpícia está o célebre convite para a festa de anos de Claudia Severa:
…no terceiro dia antes dos Idus de Setembro, irmã, para o meu dia de anos, convido-te calorosamente para que me venhas dar alegria com a tua presença…
Claudia era a mulher de Aelius Brocchus, companheiro de caçadas e amigo de Flavius Cerialis.
Estes achados arqueológicos fornecem informações preciosas sobre relações sociais, taxas de alfabetização da população, agricultura e manufacturas e movimento de tropas. As origens e destinos de alguns personagens, antes ou depois das respectivas comissões em Vindolândia, são documentados no médio Oriente, na Síria…O mundo era pequeno durante o Império Romano.
Coscuvilhar vidas privadas de há 1900 anos é uma sensação única. Um pouco embaraçados, desenvolvemos uma afeição por toda essa gente por vermos neles a pequenez e brevidade da nossa própria existência.
Em 410 dC, os Romanos abandonaram as Ilhas Britânicas.
Nessa altura, do outro lado do mundo, Teotihuacan atingia o seu auge e Chichen Itza, cidade dos Maias, era fundada. Os Hindus contemplavam o Bhagavad Gita e a estrada da seda do Oriente era calcorreada por caravanas e almocreves.
As brumas do norte cobriram Vindolândia durante 13 séculos. Escavações ocasionais e destrutivas durante os séc. XVIII e XIX, levaram a buscas mais sistematizadas e científicas no séc. XX. A família Birley tem sido o Primum Movens por detrás de toda esta empreitada arqueológica.
Um dia destes tenho que ir à Vindolândia.
José Vaz Carneiro
Tucson, Novembro, 2019
Fotos de Minnie Freudenthal e Manuel Rosário, tiradas em Roma