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The Nazi War on Cancer

The Nazi War on Cancer

By Robert N. Proctor, Princeton University Press 1999, 380 Pages

A guerra que os nazis declararam ao cancro foi, a nível mundial, a primeira e a mais agressiva. Tabaco, asbestos, pesticidas e corantes alimentares foram alvo de campanhas que só décadas mais tarde seriam repetidas nos Estados Unidos e no resto da Europa. Alcool e tabaco foram proscritos. Fumar foi proibido nos meios de transporte, lugares públicos e hospitais. As relações causais entre tabaco e cancro do pulmão, destilados do petróleo e cancro da pele, raios ultravioleta e cancro da pele, urânio, asbestos e cromatos e cancro do pulmão, anilinas e cancro da bexiga, raios X e leucemia, foram todas, pela primeira vez, estabelecidas pelos cientistas alemães.
Hitler e a maioria dos capangas nazis não fumavam.
A prevenção era realçada, com as mulheres a auto examinarem os seios na prevenção do cancro da mama e a fazerem exames ginecológicos anuais para despiste do cancro cervical.
A Medicina do Trabalho e Ocupacional teve um desenvolvimento enorme. Em medicina ocupacional havia 500 médicos em 1939, 8000 em 1944. A legislação relativa à prevenção da doença era extensa e o financiamento da investigação significativo.

Nutricionismo era uma obsessão, sendo Hitler um fanático vegetariano e picuinhas em tudo que dizia respeito à comida. O que hoje em dia chamamos alimentos orgânicos eram favorecidos e a alimentação natural promovida. O consumo de carne desencorajado. Por cada mil calorias de carne produzidas, são precisas dez mil sob a forma de cereais para alimentação animal. Isso era considerado um desperdício.
O abuso de alcool foi energeticamente combatido, sendo a maioria da elite nazi abstémia.

Em geral o avanço científico da Alemanha nazi entre os anos trinta e quarenta e cinco era de dez anos, dizia-se, quando comparado com outros países avançados. Era a cultura científica mais avançada do mundo, em Aeronáutica e mísseis balísticos intercontinentais, Física Atómica, Química Orgânica e Bioquímica, Farmacologia. E surgiram os aviões a jacto, microscópio electrónico, gasolina e borracha sintéticas, o gravador em fita magnética, etc, etc.

Mas em Medicina o progresso foi tal que no pós-guerra, além dos cientistas de foguetes como Von Braun, centenas de médicos alemães foram “importados” pelos EUA. E junto com os Direitos de Autor e Patentes, foram estes os espólios de guerra tomados pelos americanos (os russos além disso, levariam maquinaria e equipamento industrial, ouro dos bancos e tudo que era portátil e de valor).
O dilema posto por um regime basicamente criminoso a produzir ciência do mais alto nível, foi resolvido na cabeça das pessoas com um silêncio envergonhado e um utilitarismo oportunista.

Depois da guerra os americanos encomendaram às universidades e academias uma sinopse de todo o progresso científico alemão. Dezenas de volumes foram produzidos, uma enciclopédia da ciência nazi. Mas, numa antecipação do mercado fabuloso do pós guerra na venda de cigarros e na produção industrial, foram convenientemente omitidos dois aspectos em que a medicina nazi dava cartas: Medicina Preventiva Anti-Tabagismo e Medicina Ocupacional e do Trabalho. E quem ganhou foi a indústria do tabaco e as harmoniosas relações laborais do pós guerra. E o conteúdo em nicotina no tabaco foi furtivamente aumentado.
Não há filme dos anos cinquenta que não mostre as estrelas de Hollywood a fumar.
E docilmente o público fumou também.
Com a abertura do mercado chinês, que veio substituir o americano como fonte de lucro das Phillip-Morris, foi possível a campanha anti-tabagismo dos últimos anos.
E docilmente o público começou a deixar de fumar…

A propósito de tudo isto:
Recentemente nos EUA o Vaping tem sido promovido. O conteúdo em nicotina é três vezes o normal no tabaco, garantindo a adesão inevitável dos utentes. E a adição de tetrahydrocannabinol (THC) aumenta o charme. O veículo líquido vaporizado com a nicotina, nunca foi estudado no que respeita aos efeitos, a longo prazo, sobre a saúde dos que são agora milhões de viciados. A curto prazo, dezenas de mortos com o diagnóstico de EVALI (E cigarettes and Vaping Associated Lung Injury) são o resultado. A indiferença dos organismos oficiais de protecção ao consumidor é patente. O tempo vai passando, a discussão nos meios de comunicação vai animando e lucros enormes vão entrando. 2018 registou um aumento de 70% de uso entre adolescentes, quando comparado ao ano anterior.
O futuro é previsível. Passarão meses ou anos de contínua cobertura nos meios de comunicação, denunciando os fabricantes, e desviando a atenção das receitas fabulosas entretanto geradas. E com a ganância insaciável dos fornecedores, pagar-se-ão,  umas indemnizações às famílias dos mortos, e a coisa será finalmente proibida, se os lobbies não puderem entretanto comprar a legislatura. É a usual Administração do Passar do Tempo. Enquanto dura a discussão o tempo vai passando e o dinheiro vai entrando. E quando finalmente a situação for insustentável, proíbe-se o produto, porque nos EUA a protecção do consumidor é primordial, diz a platitude. E o show dos media vai aconselhando o público a evitar o produto, para que ninguém possa dizer que não foi avisado.
Mas isto é a democracia moderna, que é o universo do espectáculo e da desinformação. Um sistema complacente, uma ausência de qualquer tipo de protecção aos utentes, e os consumidores que se amanhem. É o sacrossanto mercado, que tem de estar livre de qualquer intervenção do governo para funcionar ao serviço dos investidores.

Mas não haverá problema. O público é dócil…

José Luís Vaz Carneiro
Tucson, Outubro, 2021

Fotos de Manuel Rosário

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Escrito por

Curso em Medicina FML 1975.  Clínica Geral em África, 3 anos. Residência em Medicina EUA, Mount Sinai School of Medicine, Board certified. Hospitalista por 20 anos em hospitais dos EUA, reformado. Professor Agregado de Medicina, ano lectivo 1998 Yale University. Curso de Finanças e Banca Prof Perry Mehrling. Hobbies~Guitarra Clássica, Economia, História, Arte, etc

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Últimos comentários
  • Caro Zé Luís,
    Se, segundo o que é dito, houve um silêncio envergonhado em relação ao desenvolvimiento científico da Alemanha nazi, certo é também que este artigo é omisso em relação a vários pontos importantes:
    Os avanços científicos no campo da medicina foram feitos à custa de ensaios clínicos sem quaisquer princípios éticos, utilizando os milhares de prisioneiros dos campos de concentração. Além disso, esses avanços eram exclusivamente para benefício duma elite e negados a quem estava na sua origem experimental: judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias consideradas degeneradas. Por outro lado, os progressos científicos na área da física atómica, da balística e da indústria em geral tiveram sempre objectivos expansionistas e belicistas. São coisas que, quanto a mim, também é bom não esquecer..
    Quanto ao resto, o povo, cuja sabedoria nunca é demais realçar, sempre disse: “enquanto o pau vai e vem, folgam as costas”.
    Grande abraço.
    Isabel

  • Caro José Luís
    Excelente artigo. Não sou especialista no assunto mas gostava de acrescentar algumas notas.
    1) O regime nazi herdou um país com um nível cultural elevadíssimo (artíístico e científico) com o qual lidou de forma totalitária e muito irregular. Proscreveu alguma música e pintura que considerava degeneradas,, mas investiu na ciência sobretudo naquela que podia ter aplicação bélica. Convem lembrar que a física quântica tinha nascido na Alemanha com Plank, em 1900.
    2) Os indícios de uma relação do tabaco com o cancro do pulmão têm uma longa história, mas foi na Alemanha que se realizaram os primeiros ensaios populacionais: Franz Muller (1930) e Shoringer (1943). Contudo cosidera-se hoje (pelo menos na litratura anglo-saxónica) que o ensaio definitivo que demonstrou a relação do tabaco com o cancro do pulmão foi realizado em 1949-50 para o Medical Research Council pelo médico Richard Doll e o célebre estaítsta Bradford Hill, o mesmo do ensaio da estreptomicina..
    3) O saque científico que se seguiu à II Guerra Mundilal foi um facto. Conheço o caso da Bayer que foi poupada pelos bombardeamentos aliados por nela se estarem a realizar ensaios com a Tiosemicarbazona no tratamento da tuberculose.
    A seguir à guerra a Bayer foi visitada por dois cientistas americanos que levaram de regresso aos EUA amostras da molécula.. Passados poucos anos apareceu nos EUA e na Alemanha, quase ao mesmo,tempo, a Isoniazida.
    4) A questão dos nazis foi sobretudo os ensaios clínicos em judeus, ciganos e homossexuais , os problemas éticos que levantaram e que levaram às condenaçõesde médicos e à elaboração do Códiço de Nuremberga.
    5) Quanto às democracias modernas e aos seus defeitos… estamos conversados mas que havemos de fazer? Para já não há alternativa..
    Abraço.
    Tozé Veloso

  • Caros Amigos aqui vão alguns factos
    O regime nazi era essencialmente criminoso MAS
    a Alemanha foi o primeiro pais avançado a sair da grande depressão
    Apesar do sistema KL manter na Alemanha dezenas de campos de concentração poucos judeus foram mortos na Alemanha (7% dos internados nos campos)
    A finalidade do Hitler era expulsar todos os judeus da Alemanha. A cooperação com os zionistas no acordo Haavara promoveu a emigração para a Palestina e foi um sucesso. Em 1939 não havia um judeu na alemânha.
    As experiências humanas são a marca da bestialidade nazi. Mas nos EUA houve a infecção deliberada de dezenas de negros com sífilis e a quem foi negado tratamento para estudar a evolução da doença.(Tuskegee)
    Houve tembém a esterilização forçada de 60 mil mulheres.. O mais importante livro antisemítico não foi o Mein Kampf que ninguem leu, mas sim O Judeu Internacional do Henry Ford que toda a jente leu. E por aí adiante….
    Mas isto é apenas um aperitivo para a conversa que espero tenhamos em breve. Um Abraço ZL

    • Caro Zé Luís,
      A discussão destes teus “factos” daria pano para mangas, e compridas. Aguardemos pois pela nossa conversa.
      Abraço.
      Isabel