Se ao dizer adeus à vida,
as aves todas do céu,
me dessem na despedida
o teu olhar derradeiro,
esse olhar que era só teu
amor que foste o primeiro
Alexandre O’ Neill
Os olhares são armas poderosíssimas e produzem choques emocionais mesmo quando não têm o objectivo de os provocar.
Quem nunca se sentiu repentinamente humilhado, quando a pessoa com quem estava a falar, deitou um olhar fulminante ao relógio?
Nunca esqueci o olhar ansioso do meu Pai a olhar para o relógio, durante a visita ao domingo no salão nobre do colégio interno. Ele tinha uma mesa de canastra às quatro, no club e a visita era das três às cinco! Nem esqueci o olhar da minha mãe, angustiada por ele estar angustiado.
E o olhar do polícia para o jovem negro, que está inocentemente encostado a uma parede, onde há uma caixa multibanco? Ele apenas está cansado e espera o autocarro…
E o olhar que é contemplação?
A minha neta dorme, é uma criança normal que dorme, mas o meu olhar transforma-a na coisa mais bela do mundo.
Olho-me ao espelho e fico surpreendida comigo própria. Por uma fracção de segundo, vejo-me como um objecto a ser olhado. A alegria de encontrar na figura exterior os ecos da figura interna…
Ah, então é verdade que eu não me imaginei.
Eu existo.
O olhar nunca é passivo
Olhar é tocar à distância.
E eu, sou aquilo que vejo ou sou o que os outros vêem em mim?
Somos seres sociais, sem o olhar dos outros não existimos.
Carregamos o peso daquilo que os outros vêem em nós, ou pensam que nós somos.
Os outros tiverem acesso a uma parte de nós e tiraram as suas conclusões.
Muitas vezes, os outros não nos deixam mudar, porque não estão dispostos a mudar a forma como nos vêem.
Fazê-lo, implicaria que eles próprios mudassem.
Manuela Carona
Dezembro, 2022
Fotos de Manuel Rosário