Lá vou outra vez
26 Fev.
Já estive três vezes na Índia. Em três Índias diferentes.
Na Índia “algo cultural”,
No comboio a descobrir a intimidade das famílias durante a noite e ao despertar,
Em Goa como turista, mas residente.
E é para lá que vou outra vez.
Como escreveu uma amiga minha, eu não estou a envelhecer. Estou a aprender.
E é isso que vou fazer.
Sei que vou ter muito que contar.
Um bj a todos
Tecnologia
29 Fev.
Deito-me com o pavor de me esquecer dos carregadores. Levanto-me e vou por um papelinho amarelo na mala, daqueles que colam, a dizer: Carregadores. Está sarapintada a minha mala cheia de papelinhos. Os remédios, a escova de dar um jeito ao cabelo, o livro que ficou lá em baixo e não me apetece descer as escadas.
Naquela parte da mala com rede, estão finalmente os cabos. O do telefone. O do iPad, O do relógio. Só que não me lembrei que eram muitas mais as horas de viagem do que as 16 horas que normalmente o telefone está sem o fio ligado a carregar.
Não faz mal. No Dubai compro um.
Só que no lounge não há tomadas USB. Só fichas.
Não faz mal. Vou comprar uma.
Só que a ficha tem duas entradas de USB, mas são das pequeninas.
Não faz mal. Carrego no avião do Dubai para Bengaluru.
Só que a ficha volta a ser das pequeninas.
E a mala que não chega.
Tenho 8% de bateria e cinquenta guichets para passar e mostrar o meu bilhete online até conseguir um cartão de embarque versão papel.
Quis ser moderna, mas não volto a sair sem imprimir tudo à boa maneira antiga.
A mala chegou e o aeroporto é lindo!
Religiões
1 Mar.
Já não quero mais tentar descrever o indescritível. A Índia. Quem quiser conhecer que venha até cá. Único.
Por aqui, há assuntos que me interessam particularmente, desde logo a importância que a religião de cada grupo tem, neste caso, aqui em Goa. Mas penso que por toda a Índia, dado o tendente radicalismo do actual Primeiro Ministro. Puxo o assunto e passo a transcrever algumas frases proferidas pelo meu motorista, o grande Pedro. Não Peter. Pedro mesmo. Descendente de português, profundamente católico.
. Se nestas obras destruírem a cruz, apanham boa pancada, boa pancada mesmo de Deus.
. Cartões de identidade têm mencionado o grupo religioso a que um pertence.
. Primeiro ministro quer destruir todas as outras religiões. Mandar embora. Não ajuda nada! Só dá ajuda aos hindus. Pouca, e a que dá só a eles. Só admite no governo hindus. Destrói casas de nós para fazer estradas. (Pedro fala um ótimo português aprendido com o Pai. E faz questão de o falar comigo todo o tempo).
Será credível? Pois a sua resposta à minha pergunta, sobre como ruiu a Igreja de Nossa Senhora do Monte, sabem qual foi?
No terramoto de 1755
Adoro esta TRAPALHICE / LIARPCEHTA!
Um sonho
2 Mar.
Sonhar é bom.
Correr atrás e conseguir, muito melhor.
E é por isso que eu aqui estou.
Em Goa no sonho da minha filha.
Em Goa rodeada de artistas. Plásticos, performativos e músicos numa fusão total.
Em Goa rodeada dos seus amigos.
Em Goa num jantar. Delicioso, mas sobretudo servido com arte.
Fusão de música tradicional, teatro, sons, cores, sabores, cheiros e dança.
Em Goa a viver um sonho.
O dela
Conversa boa
4 Mar.
O que eu gosto disto!
Acabou o festival e nós as duas, as mães das organizadoras, passámos a manhã à conversa. Enfiadas na piscina na casa onde ficámos à espera do telefonema delas que não viria tão cedo.
Kumi, a outra mãe, é filha de um industrial hindu que saiu do que hoje é o Paquistão aquando a Partição.
Tanto mas tanto que perguntei, tanto mas tanto que ouvi. O que significa o tocar nos pés de outra pessoa, a religião e ou modo de vida Hindu, os seus Deuses e Ídolos, meditação matinal, o sistema educativo, as línguas faladas, o machismo e a sua evolução, o papel das sogras nas famílias, a crescente rivalidade entre hindus e muçulmanos instigada por Moodi, empregadas domésticas, a marca encarnada na testa, hábitos alimentares, pão com manteiga, outra vez a importância que a religião tem no dia a dia, os casamentos inter religiões, a Fundação que o Pai dela deixou para ajudar, “o trabalho é para dar de comer ao corpo, a fundação é para dar de comer à alma”, a protegida filha de um condutor de riquexó que se formou em medicina na Rússia, e podia continuar e continuar nesta salganhada de assuntos sem qualquer lógica temporal.
E sabem? É tudo igual. Podem divergir as cores, os cheiros, a forma de vestir. Mas cá dentro, é mesmo tudo igual.
Fim
6 Mar.
Foi bom conhecer um pouco de Goa.
Mas:
Indianos de classe média das grandes cidades, nomeadamente Bombaim e Delhi, descobriram-na. Têm invadido o estado e constroem sem qualquer ordenamento junto à costa. Apesar de chover muito, não há sistemas de captação de água e não há água no solo. Os camiões de transporte de água vêem-se por todo o lado.
Perante tanta procura, os habitantes de Goa requerem o passaporte português a que têm direito até à terceira geração, vendem as terras e vão para a Irlanda. Segundo o outro motorista, que não é o Pedro, mais de cem mil Goeses deixaram o país no pós Covid.
A beleza que era Goa com as suas casas portuguesas está a desaparecer.
Quanto à Índia, paira o espectro da “Hinduisação”. Radical e assustadora para todos os que têm uma religião diferente. Todos todos falam do assunto. Hindus incluídos. O país está invadido de bandeiras laranjas instigando ao extremismo.
E:
Ainda comem com as mãos.
Andam a arrastar os pés.
Abanam a cabeça seja para dizer sim, seja para dizer não.
Obrigada Kumi, Shrish, Shivani, Munir e Nikkil por me receberem tão bem.
Três quartos de mim regressam. O outro, o que falta, foi comido pelos mosquitos.
Texto e fotos de Benedita Paes de Vasconcellos
Março, 2024
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E eis-me na Índia outra vez…
Não foi uma viagem turística. Voei para o deserto do Rajastão, onde passei três dias na pequena cidade de Nagaur a 200 Km de Jodhpur. Aqui fiquei os restantes três. Fui assistir a dois festivais de musica. "World Sacred Spirit Festival" O primeiro, num ambiente privado, com acesso restrito a cerca
Jose Ramos e Ramos | 2024-03-23
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Adorei. Adorei o ritmo da escrita. Parabéns