No universo da arte monetarizada cada artista consagrado é uma pequena Casa da Moeda. Emite superfícies com cores e figuras, produzidas em quantidades limitadas para não diminuir de valor, mas não tão limitada que deixe de alimentar o mercado. A função que cumpre, exige que seja facilmente distinguível de outras superfícies concorrentes no mesmo universo de trocas, tal como uma nota de 20 Euros se distingue duma de 20 Dólares. E imediatamente depois de breve câmbio, é trocável por tudo o que está à venda (carros, batatas, consultas no dentista, etc). Tal qual dinheiro. E tanto se pode investir em dólares na esperança de que o valor do mesmo suba em relação ao euro, como investir numa pintura na esperança de a vender com lucro a um chinês rico.
A arte contida no objecto só serve para o distinguir de outros objectos com a mesma função. Aquilo a que os meios de comunicação chamam arte é uma arte utilitária. Quando um negociante promove um artista e vende a primeira obra por um balúrdio, a obra de arte passa a valer o que custa. E daí a custar o que vale vai um passo, na cabeça das pessoas. O público fica encandeado com o preço. E respeitosamente visita o museu onde a sacralização do objecto é posta em prática. E é uma arte acessível. De decorativa dimensão estética, tecnicamente acessível e sem significado, parece críptica e apenas ao alcance de iniciados. Isto empresta-lhe um ar de sofisticação que se revela irresistível. É democrática. Daí a proliferação por todo o lado de artistas de domingo. Cada um quer expor porque é uma arte fácil que depende apenas do contexto e da publicidade (o museu, a galeria, a revista). Em Portugal fora de Lisboa, os “artistas”mais afortunados com um primo na câmara e com acesso ao orçamento municipal, conseguem vender a obra e deixá-la para a posteridade sob a forma de um mamarracho embelezando uma fonte, uma praça ou uma rotunda.
É uma arte que tem que ser explicada, teorizada. As tropelias semânticas dos folhetos de introdução ao artista nas vernissages, as absurdas classificações dos diversos movimentos e tendências (Fauvismo, Dadaismo, Cubismo, Surrealismo, Futurismo, Expressionismo e Expressionismo Abstrato, Gestualismo, Hiperrealismo, Minimalismo, Posmodernismo, Pos-posmodernismo, Metamodernismo, Remodernismo, Intentivismo, etc, etc), as teses publicadas, os magníficos museus por onde dóceis multidões passam em silêncio, tudo contribui para “èpater le bourgeois” e manter o espectáculo. E o melhor são as Instalações, um vê se te avias de frivolidades humorísticas que pessoalmente confesso irresistíveis.
Entre os actores principais encontramos o cabotinismo dum Damien Hirst com os seus fabricadores, o generalizado atropelo à arte de pintar de dezenas de artistas consagrados, todos eles contrastando com a técnica fabulosa dum Gerhard Richter, que à falta de ideias originais, exibe a sua competência pintando tudo o que é pintável em todos os estilos possíveis, e fazendo pelo caminho uma fortuna.
É uma arte Disparatada, Irreverente, Insolente e Pueril.
E a ARTE ? É possível falar de ARTE ?
Pessoalmente acho difícil. Alguém disse que falar sobre musica é como dançar sobre arquitetura. Já tentaram descrever um cheiro a alguém que sabemos nunca o ter experimentado ? Ou o que se sentiu quando ouvimos pela primeira vez a terceira sinfonia do Gorecki, ou aquela melopeia funerária japonesa que se apanhou por acaso num documentário na TV, ou as pinturas rupestres do filme do Herzog ? E que tal um Ferrari Testa Rossa 250 de 1957 ? É demasiado pessoal, intraduzível. E está em todo o lado, ou menor e decorativa, ou enorme e envolvente, surpreendente, arrebatante. Muda o quotidiano para melhor, e é geralmente de borla ou muito barata. Um bilhete de cinema custa 7 euros.
Viva a ARTE!
José Luís Vaz Carneiro
Solipso52@hotmail.com
Março, 2013
Fotos da Minnie Freudenthal e Manuel Rosário