Com a acumulação de quantidades astronómicas de dinheiro nas mãos de firmas, companhias e plutocratas, como resultado dos sucessivos deficits orçamentais alimentados por dinheiro criado a partir do nada, e sem um mecanismo de destruição desse dinheiro que o remova da circulação, assiste-se a uma inflação galopante dos bens de investimento onde esse dinheiro é parqueado.
Até há cinquenta anos, as poupanças das empresas e dos investidores eram aplicadas principalmente em Títulos do Tesouro, na Bolsa de Valores ou em depósitos a prazo nos bancos comerciais.
Mas hoje em dia tudo mudou.
Além de investirem nesses veículos tradicionais, os grandes investidores institucionais, como Fundos de Pensões e Seguradoras, entregam agora o dinheiro ao cuidado de Administradores de Bens Financeiros, os Asset Managers (como são conhecidos no mundo anglofónico), que aplicam os fundos numa variedade de alvos financeiros alternativos, que vão do Imobiliário a Bens Estruturais (companhias de águas, estradas, companhias de venda e distribuição de electricidade, hospitais e lares para idosos, parques de estacionamento, etc).
Uma vez donos desses bens de investimento, extraem rendas em regime de monopólio, alugando então os serviços dessas mesmas companhias, cuja existência é fundamental ao normal funcionamento da sociedade, ao Governo Nacional (ex proprietário, pois elas já não fazem parte do património do Estado).
Toda a Infraestrutura do país, esse conjunto de bens materiais sem o qual a vida moderna duma sociedade não é possível, fica nas mãos de investidores globais e anónimos, de quem todos ficamos reféns, pagando as rendas do aluguer aos novos patrões.
E pior ainda. A aquisição destes bens é vista pelos Asset Managers como investimento a médio prazo, como fonte de ganhos de capital quando mais tarde forem vendidos a terceiros. A estrutura material de que dependem milhões de utilizadores é assim comercializada e banalizada. O caso da Thames Water (FT Jul 1, 2023) é elucidativo. Sem dívidas quando foi privatizada, tinha 60b em dívida quando o Governo a renacionalizou, após pagar, enquanto privada, 72b em dividendos aos acionistas (fundos de pensões, fundos soberanos de Abu Dabi, fundos chineses) que recusaram entrar com mais de 500m para um investimento esperado de 1.5b, o que desencadeou a aquisição pelo Governo para evitar a bancarrota inevitável.
O consumidor pagará por tudo isto.
A opacidade das manigâncias financeiras que são o sine qua non deste novo sistema, exige uma complexidade contabilística bizantina, para ocultar qualquer possibilidade de compreensão por parte dos cidadãos e agentes do governo.
Os possíveis alvos para Investimento em Infraestrutura incluem:
Energia– Centrais Geradoras, Armazenamento
Águas– Distribuição, Bombagem, Purificação
Transportes– Estradas, Túneis, Pontes, Parques de estacionamento, Comboios
Telecomunicações– Torres, Fibras Óticas
Social– Escolas, Hospitais, Prisões
Agricultura– Propriedades Rurais, Estufas
Cada Asset Manager agrega dezenas de Fundos de Investimento. Com a separação entre a Propriedade dum bem e a Administração do mesmo, como regra geral, é difícil deslindar os nomes dos investidores originais. Há um secretismo instituído. São Internacionais e Transnacionais. Em termos fiscais, como matéria colectável são mal definidos, difíceis de identificar e pagam pouquíssimos impostos. Companhias Financeiras e sub-companhias de outras companhias, são clientes de cada Asset Manager, tornando a identificação dos agentes investidores individuais quase impossível. As Parcerias Público-Privadas (PPP) proliferam.
E com a comercialização dos intangíveis, que podem adquirir (como Patentes, Marcas Registadas, etc), têm influência sobre a Cultura dum País.
Dum ponto de vista mais geral há uma venalidade grotesca que parece ideológica. A extração de mais valias vai de vento em pôpa. O desbaratar do património do país tira à Nação o substrato material que a define. E sem qualquer invasão por exércitos estrangeiros, a independência nacional desaparece.
O público está sujeito a uma contínua subida de preços. Mas como o Rendimento Disponível do cidadão não pode descer indefinidamente sem deprimir a procura agregada, a tendência para um estado recessivo da Economia parece inevitável. E lá se irão as valorizações exageradas que fazem atractiva a revenda dos bens adquiridos.
Irão os Governos comprar de volta os bens vendidos, a preço mais baixo ?
Duvidoso. E no que toca a território a compra é final. É o Lebensraum dos alemâes.
Portugal está à venda, mas sem território não há Nação.
José Luís Vaz Carneiro
Janeiro, 2024
Baseado no livro Our Lives in their Portfolios, de Brett Christophers
Fotos de Manuel Rosário
Manuel Rosario | 2024-01-15
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Obrigado Zé Luis é um assunto importantíssimo quase totalmente escamoteado nos media, e a tua explicação não podia ser mais clara!