Aceitou continuar ao balcão com a nova gerência. Com a morte da mulher, a casa escura com sofás de pele arranhados pelo gato, que fora para casa do filho para alegria do neto, sem ânimo para cozinhar, sempre comia qualquer coisa no restaurante e mantinha uma rotina de experiência feita. Era um senhor educado numa das melhores pastelarias da cidade. Tinha a postura de um mordomo e uma educação desenvolvida durante 60 anos. Começara aos 11. Nos tempos em que se trabalhava no lugar de estudar ou brincar, para ajudar à economia familiar. Era de pequeno porte nessa época e usava um disfarçado estrado para atender clientes. Fora a escola da pastelaria que lhe dera aqueles modos delicados de Sir. Cresceu e para espanto de todos chegou ao 1,80m, num país de gente pequena e mal alimentada. Mais tarde, já gerente e a sentir-se bem na sua pele, era amável com os restantes empregados, que o respeitavam pelos seus modos delicados, vestido de preto, com um laço brilhante. Simples era a forma como os ensinava. Qualquer dúvida esclarecia-a com a simplicidade dos grandes senhores que explicam sem humilhar. Durante a crise, os antigos patrões, que nele delegavam todas as funções, resolveram vender o negócio e partir para umas férias outonais. Mudanças sérias no estabelecimento ouviam-se na rua. Obras e disposição diferente da cozinha, da sala de chá e das mesas, sons de pratos e talheres antes discretos, com mais decibéis por efeito de uma azáfama ruidosa e de uma ou outra cliente jovem e com endorfinas apressadas. Novas caras de funcionários modernos, com atributos físicos de acordo com os novos critérios da clientela e da sustentabilidade do negócio. Um jovem alimentado a carnes vermelhas com uns músculos fortes e um braço decorado que tratava as clientes por “minha querida” ou “minha filha e o que vamos comer?” chamava-lhe publicamente a atenção por ser lento e não desenvolver trabalho com a rapidez necessária ao bulício do restaurante e por ter delicadezas a mais. Albano falava “muito bom dia” ou “boa tarde minha Senhora. O que deseja?” E era cuidadoso a arranjar o chá ou o café com vénias aprendidas por anos de cafetaria fina. Os braços pendentes de Albano como asas aladas e o seu olhar triste atrapalhando mãos e pernas faziam perceber mudanças. O tal jovem de cabelo rapado aos lados e alto no cimo, com o papel de patrão dos subordinados deixou de se ver, subitamente. Também as jovens da caixa, que se sucediam à velocidade dos dias e reduzidas a apenas uma, foram substituídas por uma caixa mágica que recebia o dinheiro, fazia contas de cabeça e emitia os trocos. Um outro responsável mais clássico fala, agora, baixo e dirige-se com deferência a Albano, que voltou a sorrir no seu cabelo branco e olhos azuis brilhantes. Sonhou com Aurora a preparar as torradas da manhã e o cheiro a café caseiro. E sentiu-se de novo em casa.
Leonor Duarte de Almeida
Junho, 2019
Foto de Minnie Freudenthal
Isabel Márquez Ribeiro da Silva | 2019-07-18
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Muito bem observado. ” Minha querida o que vamos comer”, chorei a rir!