Paixão e Sonho
Aos 12 anos meu pai construiu o primeiro rádio para deleite de meus avós ao ouvirem a rádio de Johannesburg em auscultadores. A paixão pela electrónica emergente era elementar parcela do seu sonho: a radiodifusão.
Nas décadas de 30 e 40, esta globalizou-se como meio de entretenimento e informação, apropriando-se dos momentos de lazer e aculturação das famílias. A segunda guerra mundial muito contribuiu para a explosiva informação pela rádio.
1932
Meu pai, jovem funcionário administrativo, reúne-se no Teatro Scala de Lourenço Marques com uma vintena de outros interessados. A decisão é aí tomada da constituição do Grémio dos Radiófilos, encarregue de estabelecer o posto emissor do território. Por imposição das autoridades políticas foi a designação original abandonada e uma nova, definitiva, adoptada: Rádio Clube de Moçambique. Foi de raiz definido como instituição de utilidade pública sem fins lucrativos (princípio mantido inalterado até à transferência para o Estado Moçambicano).
Para início de actividade muito contou o Rádio Clube com o apoio do comércio especializado para a aquisição de modesto equipamento de estúdio. Já o custo de importação de um emissor excedia as disponibilidades existentes.
É assim que, na garagem da casa de meu avô, meu pai e outro entusiasta, Fernando Souteiro (que viria a ser o primeiro locutor da estação), a partir de peças de refugo dos CTT e válvulas importadas, constroem o primeiro emissor de radiodifusão de Moçambique.
Com receitas de publicidade, cedo possui esta estação os meios para aquisição de equipamentos mais sofisticados e emissores de razoável potência que permitem cobrir comercialmente territórios africanos de língua inglesa.
Dispõe já nesse tempo de excelente quadro de profissionais nas áreas técnica, de produção e realização.
O crescimento vertiginoso das receitas permite então uma expansão exponencial de meios. A enorme audiência que adquire, transforma-a na maior emissora do espaço português, dispondo de poderosos emissores que transmitem 24 sobre 24 horas em duas línguas – português e inglês – e em 22 dialectos da colónia.
Fora já, em 1947, que se iniciara a construção do que se denominou Palácio da Rádio. Nele se viria a albergar, a partir de 1951, sofisticadíssimo grupo de estúdios e equipamentos ao nível do “estado da arte” mundial.
É nesse emblemático edifício, com projecto de arquitectura de Paolo Gadini, concepção funcional de meu pai, que se situa presentemente a Rádio Moçambique, emissora oficial do Estado Moçambicano.
Em tempo próprio deixara meu pai a presidência da rádio para que a transição ocorresse da melhor maneira.
A partir de um modesto emissor de garagem, desenrola-se a aventura feita de sonho e paixão de que o icónico edifício é eloquente testemunho.
Fotos de Carlos Gonçalves