De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...

para Jayro José Xavier

Entre uma volta e outra do parafuso vejo um lento caracol que emerge “das sombras eternas do fundo do pátio.” São quatro horas da tarde, as cigarras amolecem o dia e sinto que a matéria se expande, invade o instante – esse espaço densíssimo de nada.
Deposito a ferramenta: nas mãos, a memória perfeita.
O caracol deita uma baba brilhante à passagem, “inclina as antenas e capta o áspero dia” entre folhas que apodrecem mostrando a tessitura, agora ossadas descarnadas de onde o sortilégio se foi.
Prossegue o caracol abrindo as próprias trilhas. Passa soberano ao largo de formigas que arrastam um seu moribundo irmão e flui, de uma obscuridade a outra, deixando não mais que um visgo furta-cor no chão da tarde indiferente.

Henrique Chaudon
Setembro, 2024

Azulejo de Júlio Pomar, foto de Isabel Almasqué

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Escrito por

Nasceu em Niterói, RJ, em 05/03/1955. Publicou quatro livros de poemas: Confissões a Baco e Outros Poemas’ em 1977 ‘Vento’ , em 1982 ‘ A Terceira Gaveta e Poemas Anteriores ‘, 1994, compartilhando com Frederico Girauta o 1º lugar no Concurso Novos Talentos, promovido pela UFF/IBM; ‘Poemas’, em 2005, onde reúne uma seleção de poemas dos livros anteriores e inclui seis textos inéditos, por ocasião de seus 50 anos. Participou das seguintes Antologias: ‘Cem Poemas Brasileiros’, Vertente, S.Paulo, 1980; ‘Água Escondida’, CBAG, Niterói, 1994 e ‘Antologia Poética da Universidade Federal Fluminense, vol. 2’, Eduff, Niterói, 1996.

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