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No Vietname

Embora durante a minha juventude tenha frequentado muito pouco as aulas de Física, uma das regras que me ficou bem gravada, foi a de que dois corpos não podem ocupar simultaneamente o mesmo espaço.
No entanto, assim que cheguei a Saigão, verifiquei que essa simples regra, não era aplicável no Vietname, sobretudo no que dizia respeito aos motociclos e à multidão de clientes que atafulhava, permanentemente, os incontáveis locais de consumo. Embora o meu estudo tenha sido muito básico, cheguei à conclusão de que o facto de se conseguirem juntar tantas pessoas nestes espaços limitados, constituía, sem dúvida, a excepção que confirmava aquela regra.

Outro fenómeno que merece ser comentado, é o facto de termos a impressão de que as pessoas estão, permanentemente, a consumir. Desde o nascer do dia até ao final da noite, em qualquer lado, está sempre alguém a produzir e muitos outros a deliciarem-se com uma variedade de comidas e bebidas de que não tenho memória de ter visto noutros países. No entanto, não se vê gente gorda, o que, de certo modo, reflecte a qualidade da alimentação vietnamita. As mesas de plástico, onde habitualmente se come na rua, parecem jardins, com cestos a abarrotar de folhas verdes. Eu só consegui identificar coentros e hortelã, mas há muitos outros tipos de folhas com sabores extraordinariamente frescos de que não consegui desvendar o nome e que, muito provavelmente, não têm tradução. Encontrei dois tipos de plantas, com um sabor semelhante a coentros, mas com aspecto totalmente diferente. Uma, que parece um cardo, com picos, mas que, após ser completamente “picadinha”, é comestível.
O meu primeiro contacto com esta comida foi com “Bahn Mi”, das poucas influências culinárias deixadas pelos Franceses. Consome-se a qualquer hora, como o bacalhau em Portugal, até mesmo ao pequeno-almoço. Não há dois “Bahn Mi” iguais. Consiste numa base de pepino e folhas verdes, e depois cada um faz à sua maneira, juntando. almôndegas, carne de porco grelhada, assada, BBQ de frango, patê etc. O resultado é uma sandwich que não se compara a nenhuma outra. E como dizem os americanos, isto é só “the top of the iceberg”.

No ano passado uma das coisas que aprendi numa aula de cozinha, foi que na confecção de qualquer caldo, se deita fora a primeira água, com a espuma. O segundo caldo é que fica. Os caldos, como os “Bahn Mi”, também variam de sítio para sítio. São a base de todas as sopas, com sabores extraordinários, mas sempre abertos ao gosto de cada um, com picante, molho de peixe ou com os vários tipos de limões ou limas locais.

A visita a um grande mercado é uma experiência extraordinária. Em primeiro lugar, precisamos de um guia. O ideal seria um bom cozinheiro, para explicar o uso e sabores dos produtos que não conhecemos e que têm um aspecto sempre fresco, mesmo no Sul onde a temperatura ronda sempre os 35 graus. Como antigamente nos mercados europeus, além dos frescos, há sempre muita gente a vender produtos já cozinhados. Mas no Vietname, as pessoas entram dentro do mercado, para fazer as suas compras, de mota. Porquê perder tempo e cansar-se, quando se pode ir pendurando os sacos na mota, até esta parecer uma árvore de Natal?

Um dos grandes benefícios de viajar pelo Vietname, é que se pode comer bem em qualquer lugar, e às vezes extraordinariamente bem. Mesmo nas terrinhas mais pequenas, basta avistar uns banquinhos de plástico e sabemos que ali há comida. Curiosamente, esses banquinhos, que no ano passado pouco mais tinham do que 15cm de altura, este ano passaram a ter 40 ou 50 cm. Devem ter crescido. Não perguntei, mas pode ser que esteja relacionado com a mudança de clima. Os melhores sítios são sempre os que oferecem só um prato. Não há escolha, e esse prato está refinado até à perfeição. A satisfação que sentimos ao comer uma refeição, simultaneamente simples e complexa, deixa-nos muito agradecidos pelo esforço e pela sensibilidade com que os Vietnamitas tratam a comida.

Uma viagem pelo Vietname, é uma experiência culinária única, em que se compreende a paixão dos Vietnamitas pela sua gastronomia. Para mim, a grande mágoa é não saber falar a língua e não poder ser testemunha dos grandes debates sobre a comida.

Pedro Leitão
Maio, 2024

Galeria de Fotos

Fotos da galeria de Pedro Leitão e banner de Manuel Rosário

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Escrito por

Nasceu em Lisboa. Vive em Nova Iorque. Dirige um fábrica de produção artesanal de azulejos em Azeitão. Viajante e cavaleiro inveterado.

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    Muito bem Pedro, ficámos interessadíssimos em visitar o Vietname para saborearmos as suas iguarias!!