Imagine que vai buscar a sua criança ao fim de um dia de trabalho. Sente nos ombros tensos o cansaço e uma lâmina de impaciência no pára-arranca do trânsito, no entanto, a antecipação do abraço e da conexão consegue-a manter integrada no mundo envolvente.
Entretanto na escola, a professora, que não gosta ou tem medo de cães, amedronta as crianças, dizendo “Cuidado com o cão do vizinho! É muito mau!”
As palavras soltas da criança dissolvem-se no medo do ladrar do cão. A mãe, de braços abertos, sente o peso de rejeição ao pegar na criança e diz: “Se continuas a chorar, ponho-te no chão”!
E a criança chora ainda mais e o cão continua a ladrar…
Agora, já desconcertada, põe a criança no chão. Ao fim de algum tempo, a ameaça de ser deixada à mercê do medo e o desejo de colo acabam por secar o choro. Esta criança talvez tenha aprendido, neste momento, a correlacionar os sentimentos de rejeição e de vulnerabilidade.
Nascemos vulneráveis e incompletos e dependemos da nossa sociabilidade para sobreviver. Usamos o nosso sistema nervoso para sentir o abandono como um perigo de vida. Mas, como o circuito da dor física se sobrepõe ao da separação social, gritamos e choramos até que a nossa mãe, ou outras mães, nos encontrem e nos venham salvar.
Como adultos, transportamos pela vida fora esta dor da separação.
Crescer é aprender a viver com esta dor e a construir dentro de nós as ferramentas de sobrevivência, sempre com a necessidade física e emocional de nos sentirmos protegidos ou integrados na nossa sociabilidade.
Na infância, a experiência relacional,com os que cuidam de nós, lança os pilares da arquitectura da nossa mente. Para salvaguardar aquele lugar seguro, longe do cão a ladrar, cada criança encontra estratégias que um dia marcarão o modo como se relaciona consigo própria, com as suas sensações, emoções e pensamentos e também com os outros e com os imponderáveis da vida.
Para que a criança se transforme num adulto saudável é necessário que encontre flexibilidade, capacidade de adaptação, coerência, energia e estabilidade para se recompor das dificuldades.
Ora, esse tempo crítico da nossa formação é uma dança entre a criança e quem dela cuida. E se a criança é vulnerável também o adulto mantém, nesse fundo inacessível da memória, a marca das suas próprias experiências da infância.
É neste período extraordinário da vida que mother and others podem viver momentos desafiantes. Porquê?
Nesta relação com a criança, o adulto faz um download das suas próprias vivências de infância, fazendo emergir dessa memória implícita (inacessível) os seus próprios conflitos e vulnerabilidades que se vão reflectir no modo como interage com a criança, quer através de atitudes que lhe assentam como uma luva, quer através de conflitos que a impedem de se tornar um ser humano saudável.
Que ferramentas nos podem socorrer?
Através do treino da mente podemos desenvolver : Self Awareness – Regulation and Transcendence.
Ou seja:
Self awareness, ou a consciência receptiva do que se passa connosco a nível físico, emocional e conceptual. Este tipo de consciência dá-nos a capacidade de monitorizar os nossos passos, nessa dança a dois, dum modo afável e flexível.
Self regulation tira-nos dos automatismos e abre flexibilidade de resposta e possibilidades relacionais.
Transcendence ajuda-nos a descentrar do nosso ponto de vista egocêntrico e de sobrevivência, para poder contactar e ouvir os outros.
Existe uma extraordinária janela de oportunidade, na vida da futura família, para trabalhar a vida interior do jovem casal. O tempo de gravidez é habitualmente um tempo de esperança e abertura. Hoje, sabemos que com uma entrevista (AAI – Adult Attachment Interview) podemos prever, com bastante eficácia, o tipo de estratégias que a criança terá que encontrar para lidar com os seus pais, mesmo antes de nascer.
Porque não usar esta ferramenta na primeira consulta de obstetrícia? Teríamos 9 meses para trabalhar com os jovens pais e para os ajudar a oferecer, à futura criança, um ambiente relacional mais propício para lidar com as vulnerabilidades da nossa natureza.
Minnie Freudenthal
Março, 2020
Fotos de Manuel Rosário
Maria João amaral | 2020-03-02
|
Tão bom