De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...

E cá vamos nós para Myanmar. País muito tempo governado por um regime militar ditador, sofrendo sanções por parte dos EUA e por isso mesmo virando-se para a China, que o explorou de forma escandalosa.

Os militares acabaram por tomar consciência que estavam excessivamente dependentes e viraram-se outra vez para os EUA que estavam abertos para os receber. Abriram-se portas ao investimento e a democracia e a liberdade vão chegando. Até ver.

Vamos ao país natal de Aung San Suu Kyi, prémio Nobel da Paz recebido pela sua luta pacífica pela democracia e direitos humanos.

Vamos ver.

E vamos contar.

Yangoon

Turismo é turismo em qualquer parte do mundo. E as classes médias que vão emergindo em muitos dos países que gostamos ou gostávamos de visitar, começaram a viajar, começaram a descobrir. O Shwedagon Pagoda, o enorme templo com mais de 2000 anos e coberto de folha ouro, passou a templo invadido de comércio e de turistas maioritariamente nacionais, os Buddhas cheios de luzes a piscar. Verde, encarnado, azul e amarelo. No regresso, encharcadas sob chuva torrencial, pés nas chanatas e nas poças de água, perdemo-nos na geografia das embaixadas.

Três horas de sono mal dormidas e duas horas de caminhada molhada vão embalar-nos nesta nossa primeira noite.

Até amanhã.

Templo Shwedagon Pagoda
Templo Shwedagon Pagoda
Monge ensina criança a decorar oração
Monge ensina criança a decorar oração

Inle Lake

Não sei como começar.

Confesso que o simples observar de natureza, paisagem e monumentos sem alma não me costuma entusiasmar. Gosto muito, mas gosto ainda mais do contacto humano.

Mas hoje foi diferente. Excluindo a nossa guia local com quem fomos conversando e a quem fomos perguntando, hoje foi dia de ver um dos lugares mais bonitos, que já vi. Um lago entre montanhas, as casas e os templos feitos de madeira, os braços do lago abraçando a vida. O meio de transporte é o barco. Parecem pirogas com motor.

Mas volto ao princípio. Não sei como começar. Impossível descrever a mística que tudo envolve. Por isso vou só acabar.

No templo o monge ensinava a criança a decorar a longa oração. Um dia, quando a souber, vai largar as suas roupas para vestir as de monge também.


 

Há festa na aldeia

Foi muito muito muito mais do que o programado.

A festa anual coincidiu com o noviciado de duas das crianças da aldeia e a procissão leva os futuros monges. Vestidos de dourado, caras pintadas, montados em cavalos igualmente engalanados, iam acompanhados pelos orgulhosos pais. À frente e atrás os músicos, as oferendas, a aldeia dançando com uma alegria contagiante. Convidadas, comemos, dançámos, bailámos, rimo-nos, emocionei-me. O templo e a gente da aldeia abriram-se para nós, deram-nos de almoçar. Tão simpáticos, tão contentes, tão simples, tão alegres!

Seguiram-se três horas e meia de estafa. Montanha acima, acompanhadas por paisagens de cortar a respiração, chegámos à casa da montanha, deitámo-nos no chão, morremos. De cansadas. Almoço local cozinhado dentro de casa à lenha, o fumo a envolver-nos, deitadas no chão, o Buddha zelou por nós. Sem coragem para descer a pé, alugámos o trator local.

Que dia! Que alegria!

Há festa na aldeia
Há festa na aldeia
Oração no templo de Shwedagon Pagoda
Oração no templo de Shwedagon Pagoda

Mea culpa…

Voltámos ao Shwedagon Pagoda. Sem chuva. Com chanatas. Sem turistas.

Local de culto e oração. Uns rezam, outros falam ao telemóvel ou almoçam ou conversam entre si. Em pé, de joelhos, de cócoras ou simplesmente sentados no chão.

Depois, outro Buddha noutro templo. Sessenta metros de Buddha deitado. Era tão bonito tão bonito o Buddha, que o esculpiram à imagem duma mulher.

Não é lindo?

Yangoon foi um compasso de espera. Amanhã vamos para o Inle Lake. Agora sim. Vai começar a nossa viagem.


 

O Lago

Saímos outra vez na nossa piroga a motor. Lago abaixo, horas nas estradas de água. Foi dia de mercado, de compras regateadas, de stupas novas, velhas e em ruínas, de boi toureado, xixis no milho, almoço no restaurante local, charutos fumados, e gargalhadas bem dadas. O regresso fez-se debaixo de relâmpagos, trovoada e chuva.

Outro dia muito bem passado.

Inle Lake
Inle Lake
Escultura num templo em Bagan
Escultura num templo em Bagan

Ensinamentos

Um elefante encontrou uma cobra e, sem saber o que fazia, pisou-a. Esta, furiosa, imediatamente o mordeu e o elefante morreu. Morto, caiu por cima dela e matou-a. Veio o cão, desventrou o elefante e começou a comer sem parar. Morreu de indigestão.

O elefante representa a ignorância.

A cobra representa a fúria.

O cão representa a ganância.

Three bad things in life you know?

Esta história está representada numa escultura milenar num dos três mil templos datados dos séculos XI a XIII espalhados pela planície e que temos a sorte de poder olhar.

Maravilha humana construída na maravilhosa natureza aqui em Bagan.


 

Planta um jardim

Provérbio Myanmar:

Se queres ser feliz por um dia, bebe vinho.

Se queres ser feliz por seis meses, casa-te.

Se queres ser feliz para sempre, planta um jardim em tua casa.

As figuras e as pinturas do templo contam-nos inúmeras das histórias que constam nos livros sagrados. Pinturas com mais de mil anos, algumas poucas bem conservadas, outras já muito apagadas e destruídas pela humidade, tremores de terra, fumo e animais. A Unesco começa a intervir e os restauros começam a aparecer. Mas vai ser um trabalho muito muito demorado e sem fim. Três mil templos! Com imagens, esculturas, pinturas, cúpulas, abóbadas. E a vegetação que vai crescendo à volta e dentro dos mesmos que é preciso arrancar e controlar.

E vamos esperar que não venha aí novo tremor de terra.

Templos em Myanmar
Templos em Myanmar
A ponte de madeira em Mandalay
A ponte de madeira em Mandalay

Pato Farm

Já tenho visto pastores de cabras, de ovelhas, de vacas e há muitos anos atras até de perus. Mas pastores de patos?

Por entre uma enorme movimentação de turistas ocidentais e orientais num dos pontos de atracção da cidade de Mandalay. A ponte de madeira tem mil e duzentos metros de comprido e une as duas margens do lago. No meio da azáfama do mercado de souvenirs e dos barcos a remos que passeiam as pessoas ao pôr do sol, o pastor encaminha os seus patos num pequeno barco a remos. É espantoso! Milhares de patos agrupados fazem o caminho até ao abrigo onde passam a noite, o pastor recolhendo e orientando com um pau e com a voz os que ficam para trás. Sabem o caminho, sabem para onde vão.

Pato Farm na Ubein Bridge, Mandalay


 

Stupas stupas e mais stupas

São milhares por todo o país. Não há um único monumento, pintura ou homenagem a outra figura que não a Buddha.

Qualquer aldeia pequena, cinco ou seis casas feitas de bambu, uma ou duas vacas a pastar, tem um stupa ao lado. Novo ou velho, branco ou com a cúpula pintada de ouro, há sempre um.

Sendo a filosofia budista adepta do despojamento, porquê tudo pintado de dourado? É cultural responde a guia. O budismo espiritual pede o despojamento total, mas o budismo cultural pede algo que leve o povo ao templo, à meditação e à prática das suas regras. Não matar, não roubar, não mentir, não beber alcool, não cometer adultério. Já ouvi estes ensinamentos noutro lado não ouvi?

Acabo esta minha/nossa viagem com um recado para os estivadores de Lisboa. Que sorte eles têm. Usam gruas, têm horário de trabalho, são muito bem pagos e podem reclamar. Estes não. Recebem ao saco, correm correm para conseguir transportar só mais um. Estão 35 graus.

Amanhã já estamos em Lisboa.

E assim regresso ao silêncio da rotina.

Fotografias de Benedita Vasconcellos

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Escrito por

Nasci em Lisboa, estudei na Escola Alemã. Tenho três filhos espalhados pelo mundo que adoro visitar, para além dos outros lugares no mundo a que tento chegar. Dona e gerente de um Hostel em Lisboa.

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