De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...
 

Memórias da Feira Popular

Lembra-se da Feira Popular?
Conte-nos as suas memórias…

Pergunta lançada em Janeiro e Fevereiro de 2016

Pai, compre nuvens!

A Feira Popular era para mim um local de magia, de diversão, de fantasia, de curiosidade, medo e mistério, de aventura, de atracção , de gula e de riso.
A minha feira popular é a do espaço onde hoje está a Fundação Gulbenkian, e lembro-me que a zona murada com aqueles muros altos, cinza escuro, só em si constituía motivo de excitação pela curiosidade do que lá ia encontrar dentro, algo que não se via de fora, e que escondia mistérios, aventuras surpreendentes e beleza.
Carrinhos de choque com uma vara ao alto que faiscava, o vertiginoso poço da morte que deitava um cheiro estranho a óleo ou petróleo, não sei, e eu a perguntar-me se os mortos teriam aquele cheiro, o comboio fantasma onde atravessávamos selvas com gorilas, e grutas com teias de aranha, e esqueletos que nos abraçavam, e eu agarrada ao meu pai, à minha tia, à minha mãe, à minha avó, a qualquer pessoa crescida que me levasse, os espelhos que nos deformavam e me faziam rir da figura que os adultos faziam, o algodão doce. Mãe deixe-me comer as nuvens! Pai, compre nuvens! Era mais bonito de se ver do que de comer, mas eu achava que comer nuvens não era para todos, o “autoxuto”- a minha tradução da palavra water shoot que ouvia aos crescidos – a desembocar desenfreado no lago, o homem fenómeno, anão ou gigante, excessivamente gordo ou magro, a cigana que lia a sina, uma figura de mulher desconjuntada à porta da tenda que se rebolava e me fascinava pelo insólito, meio real, meio fantástica onde nunca me foi permitido entrar.
Um dia este meu mundo mágico desapareceu do lugar, mudou-se para Entrecampos e a primeira vez que lá fui, apressei-me a guarda-lo dentro de mim, antes de o adulterar com cheiro a sardinhas e frango assado.
A minha fantasia pueril manteve-se até hoje guardada nas nuvens brancas, talvez de algodão doce, mas nunca de fumo e cheiro a gordura.

Ana Zanatti

feira popular
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Seguia a minha mãe, muito de perto

Entrei atenta, muito curiosa e algo apreensiva na casa dos espelhos. Seguia a minha mãe, muito de perto, dando passos cuidadosos e vendo-me reflectida ao infinito nas paredes espelhadas. O labirinto confundia-me, a minha única preocupação – não perder a minha mãe de vista. E lembro-me de me ter sentido algo enganada quando percebi que a saída não passava por uma solução do labirinto mas por encontrar uma saída secreta, uma porta nos espelhos que nos devolvia só mundo da feira.
Cresci perto de Lisboa, muito perto!
Mas suficientemente longe para não precisar de cá vir.
16 km ligados por auto-estrada.
Lisboa era o mundo do meu pai. De trabalho, de longas caminhadas, o mundo dele, que sentia tão longe do nosso.
Às vezes, muito só às vezes, íamos a Lisboa.
Um jantar num restaurante conhecido pelo meu pai. Ou uma ida ao cinema – tão rara.
E em Lisboa havia a feira popular.
Era fascinante quando acontecia passar perto da feira de noite. Só pelo que se adivinhava que por lá se passava.
Não sei agora ao certo se as luzes e o som são memórias reais ou mera fantasia. Sei que fazem parte do que recordo do imaginário infantil ligado à feira.
Isso e o medo da montanha russa.
Nunca cheguei a andar na montanha russa de lisboa. Cheguei a outras em Paris, em Orlando, nunca à de Lisboa.
Pensando bem terá sido assim que entrei pela primeira vez na feira popular. Um misto de fascínio e de medo, nesse mundo desejado mas tão desconhecido. As gentes, os cheiros, as luzes, os ruídos.
Tão curioso como as memórias se difundem. Na verdade não sei dizer o que é real ou transformado pelos meus afetos.
Mas a feira… A feira, para uma criança, era um lugar mágico. E como qualquer lugar mágico, cheio de tentações e elementos assustadores, não só pelas experiências que as atrações proporcionavam mas também pelas personagens que a habitavam.
A feira popular, é parte do imaginário de várias gerações, e fica um vazio, quando um mundo de tantas experiências, desaparece.

Inês Ataíde Gomes

feira popular
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Havia um Palácio da Loucura

A minha Feira Popular era ali onde hoje são os jardins da Gulbenkian. Exacto, onde foi feita a primeira emissão de televisão na nossa terra.
Que recordações me deixou? Semicerro os olhos e sou assaltado pelos cheiros e pelo barulho… A Sardinhas assadas ou às farturas e à pancada do Water Shut, um carrinho que percorria uns rails e que, em dado momento, entrava na água do lago, esparrinhando-a para os lados. Ou aos carroceis, sempre cheios de gente ávida desse circular labiríntico, montada em tigres, leões ou jacarés. Os mais ginasticados podiam mesmo acertar em cheio numa das bolas suspensas sobre as suas cabeças!
Havia, calculem, uma praça de toiros onde entravam umas vaquitas esqueléticas para gáudio de alguns incipientes pretendentes a diestros ou a forcados. Tinha sucesso essa Praça Monumental!
E havia os furos de chocolate que, por vezes, quando ainda não tinha saído a bola doirada e já só tinha poucos furos, valia a pena acabar… De vez em quando, no arremedo de Passeio Público que as diversas avenidas proporcionavam, via-se um circunspecto pai de família transportando uma generosa enfiada de panelas. Outra tômbola, cujos prémios eram essas mesmas panelas… Depois havia também uma multidão de barracas com as experiências mais variadas. Sentávamo-nos num ângulo formado por dois espelhos e era-nos proporcionada uma foto onde surgíamos uma meia dúzia de vezes, com vistas da esquerda, da direita, de frente ou de trás…
E havia um Palácio da Loucura com espelhos deformantes… Os magalas e as criaditas de servir riam até mais não poder ao verem-se feitos anões gordos ou esguias girafas nas suas superfícies polidas. Bem e o aterrador Comboio Fantasma provocando sustos tremendos por entre aterradores estrondos! E… “Oh Freguês, vai um tirinho?” com espingardas a que os pontos de mira haviam sido desviados para dificultar a pontaria e evitar o ter que dar prémios… Em dias muito especiais uma família ou um grupo de amigos ia jantar à feira… Na minha memória há a recordação de sardinhadas inigualáveis, acompanhadas de explêndida batata cozida e de fartas saladas de alface, tomate e pimentos…
Noite memorável, quando terminada a guerra, passou por Lisboa o contingente brasileiro que havia combatido no Norte de África e em Itália. A Feira foi invadida por uma imensa multidão que por todos os meios tentava acarinhar os surpreendidos soldados do País Irmão… Eram tempos em que o Atlântico era larguíssimo e do Brasil, pouco se conhecia…
Vínhamos tarde para casa, deixando para trás aquele espaço permanentemente por baixo da nuvem branca acinzentada das sardinhas e das farturas…

Carlos Nery

feira popular
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Mais uma corrida, mais uma corrida!

Não me lembro da primeira nem da última vez que lá fui. Nem me lembro duma história em especial. Lembro-me de ser a feira.
A feira corria por mim de cabelos desgrenhadas, os sons misturavam-se com as cores, pulsavam, cresciam e soltavam-se em gargalhadas, gritos para causar medo aos outros ou para o expulsar de mim, naquele escuro de surpresas fantasmas, em descidas vertiginosas onde o estômago se rasgava enquanto o meu corpo se antecipava ao precipício.
Ali, à frente dos espelhos, eu era todos aqueles corpos deformados. De tanto rir não sei se alguma vez respirava.
O silêncio e uma quietude cobarde paralisava-me em frente da mulher do poço da morte. Será que por ser criança me não deixavam entrar? Ou foi só mesmo puro medo?
Mais uma corrida, mais uma corrida! O fôlego não me faltava, saltava no carrinho colorido, bailava, esgueirava-me e sentia que aqueles choques eram flirts naquela pista sempre a rodar.
Ainda hoje trago em mim o espaço da feira e por isso a memória dos outros, que também sou eu, em rodopio de festa.

Minnie Freudenthal

Em nome da Feira Popular, conheci Lisboa, à noite…

Quando vim estudar para Lisboa, fiquei a viver perto da Feira Popular, num lar universitário, onde não era permitido sair à noite. Felizmente, as freiras eram muito sensíveis aos pedidos de autorização para ir  “comer sardinhas e andar nos carrosséis” e abriam sempre essa excepção…
Foi assim que, em nome da Feira Popular (onde nunca fui), conheci Lisboa, à noite!

Cristina Gonçalves

feira popular
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Panelas e panelões, cada um a vinte e cinco tostões

A primeira coisa que me vem sempre à memória quando penso na Feira Popular é ver-me, com 3 ou 4 anos, às cavalitas do meu pai., ainda quando a Feira era Palhavã. Era provavelmente a única maneira que os meus pais tinham de impedir que eu me perdesse no meio da multidão, extasiada pelo incessante movimento dos carrosséis e pelas centenas de luzes multicolores. Para mim, tinha a vantagem de poder observar tudo de cima, perspectiva que, dada a minha pequena estatura de criança, se revelava totalmente inédita.
Já mais tarde, em Entrecampos, lembro-me de ficar lambuzada até às orelhas com o algodão doce, ritual obrigatório de todas as idas à Feira Popular e ainda hoje tenho presente a voz estridente e esganiçada da mulher que vendia “panelas e panelões, cada um a vinte e cinco tostões” que, ampliada num microfone de terceira categoria, ecoava por toda a feira.
Lembro-me dos vários carrosséis, dos carrinhos de choque, e sobretudo do comboio fantasma do qual tinha um medo horroroso mas no qual, armada em forte, insistia sempre em ir. Agarrada à mão do meu irmão ou de algum dos meus primos mais velhos, fazia o trajecto todo de olhos fechados para não ver as carantonhas fantasmagóricas e assustadoras, facto que não me impedia de sentir arrepios quando sentia aquela espécie de teias de aranha a passarem-me pela cara.
Outra das memórias muito claras que tenho é do “Café dos Pretos”, com as suas sombrinhas de colmo e os bancos feitos de troncos de árvore, onde ninguém dispensava um bom café de Angola servido por mulheres negras com trajos coloridos.
O ambiente da Feira Popular era feito não só deste brou-ha-ha de vozes, carrosséis a rolar, música a tocar, luzes a acender e apagar, mas também de uma mistura de cheiros a frango assado e a farturas que nos impregnavam as narinas. Mas era sobretudo feito duma alegria descontraída e contagiante que englobava adultos e crianças, pessoas e famílias de todas as classes sociais e das condições económicas mais díspares. Porque a Feira fazia jus ao nome e era mesmo, mesmo popular.

Isabel Almasqué

feira popular
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Aquele inesquecível “electrocardiograma na feira”

Em Entre-Campos, num terreno hoje abandonado às ratazanas, aos pombos e às ervas daninhas, existiu, em tempos, um lugar de encontros improváveis, de luzes, cores, decibéis, vertigens e emoções, de onde, com alguma sorte, podíamos sair com um jogo de panelas ou com os bons presságios duma bruxa que adivinhava o futuro: era a Feira Popular de Lisboa. Não vale a pena tentar saber que interesses, insensibilidades, corrupções ou incompetências privaram a cidade daquilo que era uma fonte de magia para as crianças e um espaço de convívio e de descontração para os mais crescidos. Basta-nos só a consolação de poder juntar alguns cacos da memória e recordar os momentos felizes que por lá passámos.

As minhas primeiras recordações são muito antigas: ainda não tinha vinte anos, morava na província e tinha catrapiscado uma lisboeta. Era um pretexto para vir nas férias a Lisboa o que, para um provinciano como eu, era um deslumbramento: letreiros luminosos, centenas de automóveis, Chiado-abaixo-Chiado-acima e, claro, Feira Popular.

Muito mais tarde, já com família constituída, não me livrei de ir com as criancinhas à Feira. Era um ritual com as suas regras que começava com um jantar no “Miguel dos Frangos” a que se seguia uma peregrinação pelas várias secções que nos ofereciam uma panóplia de movimentos insólitos, violentos e inúteis que provocavam gritos de pânico e de alegria. Enquanto os microfones anunciavam “Outra corrida!”, a frase que eu mais ouvia era: “Ó pai, só mais uma vez!”.

Mas a Feira Popular era também o lugar de jantares periódicos com os velhos amigos do Jazz, à volta do comilão e impagável Luís Villas-Boas. Um dia aconteceu um facto inesperado. Ao chegar, já atrasado, vi dirigir-se a mim a gaguejar, o Chiotte, médico como eu, mas que era oftalmologista e só sabia de olhos: “Anda depressa… o Luís… o Villas… sentiu-se mal… esteve quase a desmaiar… está ali no posto de socorros!”. Observei-o: a respiração estava calma, a tensão normal, o pulso regular, as conjuntivas coradas. E comecei a pensar “não querem ver que este tipo teve um ligeiro badagaio (leia-se “crise vagal” na versão cavaquista) e ainda nos estraga o jantar? Só tenho de me certificar se tem ou não tem um enfarte”. Fui a correr à clínica que ficava perto, trouxe um electrocardiógrafo e, ali mesmo, à mistura com as luzes e o ruído ensurdecedor dos pregões, liguei o Luís ao aparelho. Perante o pasmo dos amigos presentes e de um enfermeiro de serviço que me olhava de soslaio, obtive uma tira de papel com o registo da “electricidade” cardíaca do fundador do jazz português — vulgo electrocardiograma – que, felizmente, estava normalíssimo. “Anda Luís, levanta-te! Está tudo bem! Vamos mas é jantar”. E assim foi. O Villas comeu 24 sardinhas bem contadas e uma enorme meloa que descascou como quem descasca uma maçã. E, durante muito tempo, era sempre com uma enorme risada que recordávamos aquele inesquecível “electrocardiograma na feira”.

Muitos anos depois, quando a Feira já estava desactivada e apenas tinha restaurantes a funcionar, era lá que periodicamente almoçava com um grupo de amigas de longa data. Entrávamos então num recinto praticamente deserto, desarrumado e silencioso, onde algumas girafas, dragões e bruxas, há muito tempo imóveis e sem vida, pareciam vigiar-nos com os seus olhos parados e inexpressivos. Um dia, depois de uma refeição bem regada decidimos que as coisas não podiam ficar assim: havia que reanimar a Feira nem que fosse por breves momentos. Procurámos o encarregado da cabine sonora do palco das panelas e convencemo-lo a pôr música. Os velhos altifalantes cónicos, há muito silenciosos, começaram a debitar tangos, passe-dobles e boleros em altos berros e nós subimos ao palco e ensaiámos uns números de ballet. As poucas pessoas que por ali andavam, olhavam-nos e pareciam pensar: “Coitados, devem-se ter passado”. Mas nós divertimo-nos imenso.
Julgo que foi esta a última vez que fui à Feira Popular.

António José de Barros Veloso

feira popular
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Noites quentes, noites felizes, descontraídas, nos Verões lisboetas de outrora

A primeira vez que fui à Feira Popular, estava a feira situada no espaço que é actualmente ocupado pela Fundação Gulbenkian. Não havia barraquinhas a vender farturas, o que mais havia eram divertimentos, como o escorrega que saía pela água do lago, o chicote, e outros no género. Muito barulho e muita animação.
Anos mais tarde, já eu vivia em Lisboa, abriu a Feira ali na Av. 5 de Outubro, com restaurantes de frango no churrasco, sardinhas assadas, farturas – fazia-se bicha pois eram deliciosas e não havia ASAE a inspecionar a higiene ou a dimensão das frigideiras- tiro ao alvo, barraquinhas de ginjas, carros de choque, de que eu não era apreciadora, comboio fantasma, divertido de tão ingénuo, e o célebre poço da morte, com jovens que seriam artistas de circo e cuja apresentação dava vertigens.
Eram belos passeios de Verão, e pretextos para jantaradas de amigos.
Recordo em especial uma noite em que íamos com os meus pais, eles à frente eu e o meu marido atrás, e um senhor de ar respeitável parou a cumprimentar o meu pai.
Perguntei quem era, e o meu pai disse: este foi um dos PIDES que me prendeu muitas vezes em Coimbra, no meu tempo de estudante. Está retirado.
A conversa ficou por ali…não era o momento de evocar o passado mas sim de ir às farturas…
Uma outra memória é puramente jazzística, de alguns anos depois: o grupo do Tózé Veloso, o médico de todos os músicos, fez uma reanimação ali mesmo, do Villasboas, o pai de todas as produções que vinham a Portugal. Pela sua mão se via uma vez por ano, pelo menos, no Cascais Jazz, o que havia de melhor do mundo do Jazz. Caiu inanimado e o amigo médico tratou da sua recuperação.
Foi um grande sururu, enquanto nós outros, à mesa, esperávamos para jantar.
O Villas recuperou e veio sentar-se, animadíssimo: de entrada pediu uma dúzia de sardinhas e a seguir já nem me lembro de tão estarrecida que fiquei com o seu apetite.
Já não demos nenhum passeio a mais pela feira.
Dali seguimos todos para o Hot Clube, a digestão foi feita a ouvir música, no meu caso, a tocar furiosamente no caso dos músicos que tinham jantado na Feira.
Noites quentes, noites felizes, descontraídas, nos Verões lisboetas de outrora.

Yvette Centeno

feira popular
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Vamos a uma voltinha?

Pequena com a minha avó e uma empregada velha – que refilou, mas exigiu que me acompanhasse num barco – havia barco(!?) a remos. A mulher tinha um pavor da água porque não sabia nadar, mas lá foi – contrariada- mas a menina queria!!!!
Com amigos – cheiro a sardinhas que impregnavam os corpos sexy dos 15 anos !?!. Mas era barato e jantávamos.
Lembro-me do comboio fantasma – que era suposto fazer medo! Era básico: passava-se pela “selva de gorilas e feras” sentíamos aranhas ” na cara e lembro-me que a viagem acabava com todos os passageiros a gritar à boca da saída – o que atraía e seduzia os incautos- porque “uma mão” apertava uma perna – o que não estávamos à espera! Alguém pagou para o fazer!
Nos carrinhos de choque uma voz enrolada anunciava: vamos a uma voltinha? As crianças não pagam mas também não andam…
Outra atracção – os espelhos deformados que nos faziam tanto anões, quanto gigantes no corpo, na cara, no volume, na altura. Eu gostava.
Também pagávamos para entrar na maga. Entrávamos numa tenda e lá dentro uma senhora com bola de cristal. Metia medo, mas trazíamos um papeleco com a futurologia e peso!
Por fim e já mãe, fui à casa do terror. A gritaria era muita e o pânico também, porque havia actores que saiam da cama com cara de mortos; abriam de repente as grades da cadeia em que os víamos e onde berravam possessos… E por fim apareciam-nos com uma serra eléctrica a funcionar… Perdi o instinto maternal, passei por cima diz meus filhos à procura da saída e… Jurei para nunca mais!

Vera Castelbranco

A montanha russa com looping era o ponto alto

Lembro-me de ir com o meu pai no dia de 1 de Junho, dia da criança. Era uma festa e uma excitação.Também com os meus amigos do liceu, nos dias que acabavam as férias. A montanha russa com looping era o ponto alto. Atenção que vamos ter uma nova feira popular! A tradição vai voltar a ser o que era, espero!

Mafalda Duarte Silva

feira popular
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Sardinhas e leite

A Feira de forma deglutida entrou-me ia eu nos trinta e tal. Era o dia extra para as crianças, a folga permitida onde a vertigem era servida em forma de aviões, cadeiras rolantes, medo escondido no escuro de uma casa misteriosa, gazelas e cavalos e girafas alucinados a rodar ao som ultradecibelante de uma música nossa ,de graça rápida e mensagem brejeira.
Percorria aquele espaço gigante afivelando na memória gentes díspares de gestos berrantes, falas coloridas, afectos abertos e desafectos expressos. Mas o que me ficou de bizarro até hoje foi a expressão daquele homem, empregado no restaurante onde aconteceu o jantar numa daquelas idas ao calor de uma feira chamada popular.
Por motivos que só a saúde por vezes conhece, era eu, então, uma consumidora compulsiva de leite, coisa estranha dada a dificuldade que fora alimentarem-me em idade precoce com uma dieta semelhante.
Sentada, menu decidido no burburinho envolvente, então são sardinhas não é?
Sim, sim respondi olhe e para beber um grande copo de leite, está bem!?
Sardinhas e leite, o senhor não queria acreditar mas no meio de tão desvairadas gentes que percorriam as mesas, olhou-me e recuando continuava a olhar-me como se a feira tivesse adquirido mais uma diversão.

Luisa Folques

A casa dos espelhos

Verão, noite quente, família toda junta, o evento esperava por nós todos os anos. Cada criança recebia uma certa quantia em dinheiro. Ponto de encontro e horas combinadas (o telemóvel ainda não tinha chegado), finalmente a ordem de soltura. A exploração era sempre a mesma. Carrosseis, tudo o andasse à volta, furos e tirinhos, algodão doce, corridas e gargalhadas. Farturas e farturas. A casa assombrada metia-me imenso medo. Não gostava. Não entrava. Voltávamos a correr vivendo e dançando a liberdade de decisão e de escolha sem opinião. Por fim, e este era sempre o último local para onde íamos, entrávamos no local mágico que esperava com tanta ansiedade. A casa dos espelhos! Gorda, magra, alta, baixa, as imagens eram o meu fascínio. Não me cansava de correr para um e para outro, para a frente, para trás. De lado, de frente, de costas, tudo valia em frente daquela magia. Eu adorava esse acabar, esse fim, ao mesmo tempo que ouvia chamar. Vamos embora. Vamos embora. Já chega. Eu não queria sair. Não queria. Adormecida no carro mas dentro dos espelhos, sonhava com o ano seguinte. Que tardava em chegar.

Benedita Vasconcellos

feira popular
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Lembro-me

Lembro-me do Poço da Morte, uma esfera de gradeado com um tipo magrinho, andrajoso e sujo de óleo numa motoca ferrujenta, às voltas lá dentro. Um cheiro a óleo de linhaça queimado pairava no ar.
Lembro-me do Túnel do Medo que percorríamos de carrinho nuns carris. Lá dentro bruxas e esqueletos surgiam arrepiantes ao dobrar das curvas. Umas franjas no escuro roçavam-nos a cabeça. Com atenção, era possível num esforço conjugado agarrarmos os fios e puxar, fazendo cair o efeito especial e interrompendo o andar do comboiozito. Os gritos de susto do resto do pessoal eram a recompensa dos delinquentes, que só tinham que se escapulir rápido para evitar a inevitável fúria do dono do negócio.
Lembro-me dumas senhoras muito pintadas, bem vestidas e de carteira, imóveis nas esquinas, que os nossos pais evitavam olhar.
Lembro-me duma gordinha em bikini, com uma gibóia enrolada ao pescoço. A cobra decidiu aliviar-se durante o acto, cobrindo-a de excremento e obrigando-a a terminar o espectáculo numa corrida para trás da cortina.
Lembro-me das cadeirinhas voadoras. Agarrando a cadeira da frente era possível empurrar com as nossas pernas a vítima, obrigando-a a descrever uma curva orbitária por fora, resultando em interessantes choques com o resto do pessoal.
Lembro-me do cheiro a farturas misturado ao da sardinha assada. A televisão ligada com o grupo musical do Segundo Galarza, o Carlos Menezes à guitarra e que muitos anos mais tarde me ensinaria o Days of Wine and Roses do Henry Mancini.
Lembro-me dos “soldados a namorar as sopeiras”. E à saída da feira, um polícia sinaleiro no Saldanha comandava o trânsito com movimentos ondulantes dos braços, numa coreografia belíssima que atraia a atenção dos basbaques.
Lembro- me…

José Luis Vaz Carneiro

feira popular
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O Luna Park

A minha Feira Popular foi em Lourenço Marques quando, em certa altura do ano, montavam o Luna Park…um brinquedo pequenino ao lado dos atuais. Tinha o chicote, que era fixe mas quase inofensivo, a montanha russa (porquê russa???) e a estrela em que íamos feitos de parvos a olhar cá para baixo. Ah… e tinha o polvo, que eu não gramava.
Uma vez em Madrid, andei nos aviões de uma feira e jurei para nunca mais… achei mesmo que ia morrer de indisposição. Uma estupidez! Conclusão: deixei de gramar essas sensações radicais. Será prenúncio de old age?

João Nunes da Silva

A primeira cerveja que bebi

Lembro-me da primeira cerveja que bebi na minha vida, e foram logo duas, e a coisa não correu bem …
O comboio fantasma, ao lado de amigas que iam apavoradas. Os tirinhos e a respetiva ginginha. Os jantares de grupo comemorando qualquer coisa!

Miguel Freudenthal

Era do poço da morte que eu mais gostava

esgueirava-me por entre as pernas compridas do meu pai. apertava com força o pano das calças para não cair lá dentro, fundo. os meus olhos chegavam ligeiramente acima do parapeito e eu vibrava de cada vez que o motor roncava a cada elevação. o cheiro a óleo e gasolina no ar inebriavam-me. era do poço da morte que eu mais gostava .

Rita Roquette de Vasconcellos

O meu irmão Rui

Eu, uma vez, convidei o meu irmão Rui* para jantar uma sardinhada na Feira, mas no íntimo, no íntimo, queria era gozar com uma coisa. Ao fim de 180 escudos, os tais de boa memória, o homem da barraquinha dos tiros nas serpentinas correu connosco da barraca, depois de o meu irmão ter ganho 3 ursos, 1 panda e 1 gorila, em formato gigante, que o Campeão oferecia às moças que passavam. Ahahahahaha….

*O Rui era um dos caçadores profissionais mais célebres de Moçambique

Nuno Quadros

feira popular
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O Rei das Panelas

As minhas recordações sobre a feira popular são sobretudo de infância. Depois de crescida poucas vezes lá voltei e nunca fui para além da zona dos restaurantes. Por isso mesmo, tendem, por vezes, a confundir-se imagens mais antigas, da feira onde viriam a ser os jardins da Gulbenkian, com as de Entrecampos. Da primeira recordo sobretudo a televisão, mostrada pela primeira vez em Portugal nesse local. Vejo, de forma pouco nítida, um grande móvel de madeira que as pessoas contornavam para confirmar por trás se não estava mesmo ninguém lá dentro. Lembro-me também de uma montanha russa que atravessava um lago. Na minha memória vejo a água a levantar-se de lado o que hoje me parece completamente improvável.
Da Feira Popular de Entrecampos recordo o Café dos Pretos de que já falei no meu blogue. Outra memória vincada é a do Rei das Panelas. Era um pavilhão alongado dividido por um balcão onde as pessoas se apinhavam do lado exterior. Ao fundo, em escada, estavam as panelas colocadas em pirâmide com os tachos e panelas maiores em baixo, com as tampas ao contrário e o mais pequeno em cima com a tampa colocada tudo atado com um cordel que passava pelas asas. Sobre o balcão, em pé, vários homens vendiam as séries de senhas de cores variadas, enquanto outros rodavam uma tombola para a extracção dos prémios.
Mas também a imagem da Casa dos Espelhos, da máquina da Cigana da Sina e o Comboio Fantasma com o som assustador do abrir repentino das portas, ficaram a fazer parte das minhas recordações infantis.

Ana Marques Pereira

Era uma festa!

Feira Popular era sinónimo de Férias Grandes. Na noite do dia 9 de Junho era garantido que estávamos lá caídos. Ainda há dias falávamos sobre isto, os meus filhos e eu, e todos tínhamos a mesma ideia, a mesma memória, apesar da diferença de idades.
Era uma festa!
De quando era pequena, lembro-me de comermos sempre ‘miaus’ com o pai, umas febras muito tenrinhas dentro de um pão; do carrossel dos animais, que ondulava e onde nos esticávamos para bater nas bolas que estavam penduradas, por isso todos queríamos ir na girafa; dos furos dos chocolates da Regina, sempre na esperança de que me saísse a bola prateada ou a dourada, mas todos os chocolates eram ótimos; do comboio fantasma com as teias de aranha a tocarem na cara, que me arrepiavam toda; dos carrinhos de choques de onde saía com nódoas negras.
Já adulta, o que mais me divertia era a sala dos espelhos. Ficava sempre com dores de barriga de tanto rir. Nougats, algodão doce e tirar fotografias naquelas máquinas onde nos enfiávamos 3 e 4 ao molho para acabar a noite.

Joana Freudenthal

Um homem enorme ao lado de um anão

Tenho boas recordações da feira popular. Os carroceis, o comboio fantasma,a montanha russa,as filas para cumprimentar um homem enorme (para mim era um gigante) ao lado de um anão (situação um pouco surreal), o algodão doce,as pipocas, as farturas, e toda a envolvência incluindo as luzes,os sons e os cheiros vindos de diferentes lugares. Foram momentos bem passados que deixam saudade!!

Cristina Rebocho Machado

feira popular
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Eu lembro-me só de três coisas

A primeira é uma imagem vaga de ir à Feira no tempo em que ainda estava no actual Jardim da Gulbenkian. Deveria ter 4, 5, 6 anos? Estava com o meu pai e o tio Ramiro. Havia uma montanha russa em que no final os carrinhos passavam por um tanque de água levantando ondas imensas, adorei claro, acho que se chamava Water Shoot…
A segunda era um ritual familiar antes de irmos viver para Moçambique. Um dos pacientes do meu pai era o dono do Artur das Farturas. Uma vez por ano toda a família ia comer farturas depois do jantar (como era possível?). Tínhamos direito a red carpet treatment e depois havia uma dose de carrinhos de choque bastante apreciável. Muito bom…
A terceira é um pouco mais assustadora. Estávamos de férias de Verão vindos de Lourenço Marques sem os meus pais. Tínhamos adoptado o João Frazão que vivia lá na Rodrigo da Fonseca connosco por uns dias. Fomos jantar à Feira e pela primeira vez na vida acho tive uma enxaqueca forte. Já era aluno de Medicina, e as parestesias no braço esquerdo e incapacidade de articular palavras foram um terror. Achei que estava a ter um AVC e que ia ficar assim para sempre. Lá fui comendo as sardinhas não disse palavra e nem o João nem o meu irmão Rui deram por nada. Fui dormir acabrunhado mas no dia seguinte estava bom. Enxaqueca? Muitos anos mais tarde a velejar nas Caraíbas aprendi com o Mike o nosso skipper que havia uma coisa que dá nos peixes e que causa sintomas neurológicos passageiros. Chama-se ciguatera e tem que ver com o plancton que os peixes comem…Ciguatera na Feira???

Manuel Rosário

Eu só conheci bem o Luna Park de Moçambique

Havia uns carrinhos de choque e eu adorava chocar, propositadamente, de frente contra os condutores mais distraídos, só para ver os tripulantes aos saltos no banco do carro. Era tão mauzinho…
Lembro-me também das barracas onde se davam tiros nuns patos que passavam num tapete rolante e nos quais eu nunca acertava, o que me provocava uma grande frustração. Havia também uns palhaços que abanavam lentamente a cabeça e na boca dos quais tínhamos que acertar com umas bolas, mas o resultado era o mesmo. Mais tarde, indo já com uma namorada, nunca jogava, para arrelia da própria, pois sabia que não ia ganhar o boneco de peluche que tanto queria.
No entanto, por razões óbvias, gostava de andar com a namorada no comboio fantasma. Como era escuro, ela assustava-se e agarrava-se a mim. O problema era a tentativa de esconder essa reacção quando o comboio chegava ao fim da linha.
Uma coisa inédita aconteceu uma vez com o jogo do martelo e da campainha que eu nunca jogava, com medo da humilhação. Uma vez, provavelmente bem bebido, decidi tentar e logo à segunda martelada…ping! a campainha tocou.
Lembro-me de ver um pavão bêbado e malhado no Luna Park.

José de Sousa

feira popular
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As rifas ou tiro ao alvo

Tantas e tão boas memórias que tenho da Feira Popular.
Talvez fosse dos programas preferidos a ir Sábado à noite com os amigos. Entre a montanha russa, o comboio fantasma e as rifas ou tiro ao alvo, onde nos saía uma garrafa de licor, que achávamos o máximo.
Na minha geração, duvido que haja alguém que não tenha a Feira Popular no coração.

Sofia Freudenthal

Um programa de verão

As memórias perdem a nitidez que caracteriza o presente, mas fazem perdurar as emoções e os sentimentos mais marcantes de acontecimentos passados.
Demorei algum tempo a avivar as recordações das idas à Feira Popular: era um espaço esquecido que já nem existência física tem na cidade de Lisboa. Ficava situada num recinto amplo, com entrada pela avenida da República, do lado esquerdo, antes da rotunda. Acho que havia mais uma ou duas entradas, todas elas com umas luzinhas amarelas – muito arcaicas para os tempos actuais – a tremeluzir.
Ir à Feira Popular era um programa de verão, em família, ao final da tarde. Entre o jantar de frango no churrasco e as várias diversões, passavam-se umas horas com sabor a aventura e muito divertidas. Eu preferia os carrinhos de choque. Sentia-me destemida quando entrava num, por isso, só andava comigo quem me deixasse tomar o comando do veículo. Andava pela pista a conduzir o meu carrinho em choques sucessivos porque essa era a parte mais divertida! E se houvesse irmãos ou amigos também em acção, aos choques juntavam-se os gritos! Também gostava dos carrocéis mais tradicionais que andavam ao som de uma qualquer cantiga popular daquela altura. E lembro-me do sabor do algodão doce a derreter na boca. Mas nunca me atrevi a entrar no comboio fantasma: as surpresas e os sustos com caveiras, esqueletos, teias de aranha e o que mais houvesse não me seduziam. Haveria outras coisas, mas perderam-se com o tempo.
No entanto, recordo ainda uma ida em especial – deverá ter sido a última – no meu primeiro ano lectivo na faculdade. Naquele ano, tinha tido um professor de Inglês, native speaker, diferente de todos os outros professores que tive nesses anos. Já não era novo (para os meus padrões naquela altura), tinha cabelos brancos, e as aulas eram outro mundo. E, no final do ano, a turma combinou este encontro na Feira Popular com o professor. A minha única recordação dessa noite resume-se a histórias divertidas contadas ao jantar com gargalhadas à solta e a umas voltas naquelas cadeiras de ferro presas por umas correntes que giravam todas em círculo. Uma sensação fantástica! Lembro-me ainda vagamente de umas luzes coloridas a brilharem garridamente por ali. E de estar a sorrir, sentindo as pernas a baloiçar levadas no ar pelo movimento do engenho que fazia as cadeiras rodar…

Cristina Escaja

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Fotos de Isabel Almasqué, Minnie Freudenthal e Manuel Rosário

As fotografias deste FORUM foram cedidas ao Jornal Público para uma FOTOGALERIA sobre a Feira Popular de Lisboa num período pós-encerramento, quando a ruína já se havia instalado. O que sobrou dos 38 espaços de divertimento, tomados pela ferrugem e roídos pelo tempo e pelo desmazelo, permitem ainda revisitar o passado.

Foste feliz na Feira Popular de Lisboa? Há 20 anos era assim

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Últimos comentários
  • Feira popular
    O que é suposto ser uma feira popular?
    É suposto ser um espaço de diversão.
    De festa, de reunião entre família e amigos.
    Tenho poucas memórias dessa época.
    Restam as recordações em foto, o dia e a hora que foram tiradas, escritas na parte de trás da foto
    Sei o nome de algumas diversões, sei que andei nos espelhos que faziam as pessoas mais magras e outras vezes as faziam gordas
    Também cheguei a andar nos carrinhos de choque junto com o meu irmão, era ele quem conduzia pois eu ainda tinha cerca de 5 ou 6 anos, lembro-me que numa das vezes que andamos nos carrinhos de choque ele perdeu o telemóvel já não me recordo se foi o telemóvel se foi um fio de ouro
    De fato não tenho muitas recordações.
    Sei que havia um espaço em que comia com a minha família e quando chegava a parte da sobremesa eu pedia um gelado, o tão chamado “pinguim” quem não se lembra, o pinguim com o seu famoso chapeuzinho, não sei se hoje ainda existe esse gelado, creio que exista nos restaurantes mais próximos em Portugal e arredores.
    Vou terminar da forma que comecei.
    Feira popular
    O que é suposto ser uma feira popular.
    Um espaço em que a gente guarda boas recordações.
    Nunca tive problemas na feira popular até aquele dia.
    Creio que estávamos no último ano em que a feira popular estava no ar, em 2003 se não estou em erro, não me perguntei qual era o nome da diversão, não era a roda gigante mas sim uma roda que tinha várias cadeiras, na altura a minha mãe foi imatura, no fundo ela não teve culpa mas sim o homem que nos deixou andar na diversão, estávamos eu, a minha mãe e uma antiga namorada do meu irmão a quem lhe devo a vida, basicamente era um carrossel que não parava de girar para cima e para baixo, estava no meio, entre a minha mãe e a antiga namorada do meu irmão, era muito nervoso e irrequieto o que pode ter contribuído para o cinto a que eu estava preso, se soltar, estava assim a minha vida em jogo mesmo à frente de tudo e de todos, tenho pequenos flashbacks das duas a agarrarem-me com toda a força que tinham para eu não cair, cada vez mais faltavam as forças, cada vez demorava mais para a roda parar, mas lá parou, e hoje aqui estou

  • Ai, que saudades da feira popular!

    Já tenho saudades – e não são poucas – da velha Feira Popular, de Entrecampos, bastião de folia e enfardanço do mais tipico que Portugal já teve.
    A Feira Popular já pertence ao passado. Àquele passado que não volta mesmo mais. Contemporânea dum certo Parque Mayer, da “Rádio Crime” (de Patilhas e Ventoínha), e de uma maneira de ser lisboeta que se apagou, varrida por doses maciças de globalização amorfa e estrangeirada – que vamos consentindo e adoptando em nome da modernidade – é mais uma daquelas riquezas que Lisboa perde no seu caminho rumo à descaracterização total que os políticos mais saloios prepotentemente nos impõem, e que as novas gerações herdam sem se dar conta do que é, ou foi, ser bom português, e neste caso particular – alfacinha.
    E até há muita culpa das antigas gerações neste processo: nestes tempos de aparências falsas e ostentação obrigatória, parece que alguém se envergonhou de ser o que sempre foi, e se quis transformar no que não é – nem será nunca – com uma fachada nova e bacoca que só não engana quem conhece a antiga… É o que se pode chamar “O copo de três, disfarçado de Big Mac”.
    Parece que há pudor em assumir que coisas tão sempre nossas, como é o caso do vinho – o tinto carrascão que nos levou às Indias – em doses curtas mas bem servidas, a transbordar sobre balcões de mármore manchado, não tem a mesma nobreza de uma coca-cola mé®dia em copo de plástico – muito mais “actual e civilizada”! E uma boa sandes de torresmos, para não dizer de couratos, parece não poder ombrear com carne semi-envenenada oriunda de pastos criados à conta do extermínio de florestas tropicais – coisa muito mais evoluida – com logotipo e tudo! E, claro: uma bagaceira genuina e caseira não consegue furar no apertado mercado do whisky da treta, e de preparados à base de vodka (com os mesmos sabores exóticos de preservativos usados!), com que os grandes caciques do internacional-alcoolismo nos querem intoxicar!
    Porquê? Se calhar por não terem o famigerado logotipo, nem marca. E hoje em dia, ninguém quer nada com produtos não identificados – preferindo ostentar com pompa e ignorância o pechisbeque gráfico que os pequenos/grandes nomes ditam. Na realidade, é tão importante “ter marca”, que nos nossos dias até o lixo tem marca, senhores! Já não há cascas de banana nos passeios. E se houver, dizem “Banana de Colombia”! Hoje o lixo é composto por nomes perfeitamente identificados pelos monstros que os criaram, numa astuciosa manobra de marketing em que, para “maximizar as vendas e aumentar os lucros”, o produto ostenta o nome, desde a prateleira do supermercado até a trituradora da central de resíduos urbanos! O lixo é patrocinado! Pois! Por “Pepsi-colas”; por “Chiclets”, por “Mac Donald’s”, e por aí fora! O lixo, que agora é de luxo – o lixo que antes de o ser já o era, como a pescada e o calçado! Fantástico! Bestial!
    Ao que parece, para colmatar a grande perda, a autarquia Lisboeta planeia brindar a cidade com um novo e moderníssimo parque de diversões nos arrabaldes longínquos da serra de Monsanto – um recinto com o pouco luso nome de “Play-qualquer coisa, tipo-center” onde não faltarão atracções de “última geração” (isto é: nada que custe menos de três ou quatro Euricos a viagem…), com a obrigatória e tão em voga “zona de restauração”, incolor, inodora e insípida, onde as castiças sardinhas serão substituídas por franganitos do Kentucky, e o tintol arroxeado em copos “de três” é definitivamente banido, e trocado por Big Coca-Colas e outros venenos em embalagens plásticas não recicláveis…
    Que saudades da velha e genuina “Feira Popular”… Tão autêntica e tão castiça… Ao mesmo tempo integrada e deslocada. Chamariz de luzes e cheiros que atraia alfacinhas e forasteiros com a sua magia especial. Uma noite na Feira era preparada com grande antecedência. Era uma excitação, uma festa! Uma romaria de famílias inteiras preparada com esmero, o guarda-roupa cuidadosamente escolhido. Muitos amores nasceram nas vertigens dos seus carrocéis. Muitos casamentos se prometeram depois de sardinhadas regadas a vinho-tinto. Muitos cidadãos foram procriados durante as mil e uma noites que começavam em Entre-Campos. Muitas questões, muitos adultérios, muitas brigas, muitos divórcios dali nasceram. Mas também grandes amizades, grandes sociedades e grandes negócios foram selados com brindes nas mesas dos seus restaurantes! E tantas passagens de ano, tantos exames, tantas formaturas e doutoramentos ali foram festejados! Quantos aniversários, quantas bodas de ouro e prata ali foram celebrados? E, quantas traições, quantas perdas, quantas tristezas e quantas mágoas e misérias ali foram afogadas? A Feira era um mundo, e uma vez lá dentro, não existia mais nada cá fora! Como explicar aos novos o encanto de coisas findas e tão singelas como o “Pim-Pam-Pum”, o “Castelo-Fantasma”, ou o “Rola-Rola”? Como extrair orgulho do cheiro típico a frango e sardinha, que em dias de nortada primaveril chegava ao Marquês de Pombal? Tudo isso pertence ao passado: A macaca da “Selva” já não arranha no escuro (era um homem, que eu bem lhe via o morrão do cigarrito…). As gargalhadas do “Palácio dos Espelhos” acabaram. E o famoso Joselito deixou as acrobacias ao pé cochinho em cima da sua sempre brilhante Honda 125 verde-escura, atraindo multidões para o “Poço da Morte”! Toda a fumarada se evaporou. Fica um castiçal de divertimentos para a posteridade: As “Girafas”, O “Foguetão”, As “Cadeirinhas”, os “Tirinhos”, os “Aviões” – que voavam ao som do ar comprimido dos seus braços hidráulicos, e dos gritos dos “pilotos” – aviões muito cedo substituidos por uma minúscula, patética e cara montanha russa, como “atracção principal” da Feira…
    E mais: restaurantes típicos; balcões de rifas; algodão doce; orquestras de macaquinhos mecânicos tocando música a troco de moedas; o célebre letreiro “Aperte a mão ao gigante de Moçambique por 5$00!”; os barquinhos a gasolina num pequeno e escuro lago quadrado, com os seus casais de namorados, qual “Luna Park” sem o túnel de Hitchcock. Tudo acompanhado pela fantástica banda sonora de vozes nasais a saír de altifalantes decrépitos: “Mais uma corrida, mais uma viagem!”; “Carros em movimento!”; “Suba! Suba! É o Rola-rola! É para borrar a cueca!”; “Tro-tro-tro-tr’olha as panelas, panelinhas e panelões – tudo a vinte e cinco tostões!”… Tudo isto é passado, tudo isto é fado… para beber e para esquecer…
    E por falar em beber, havia uma faceta bastante alcoólica na Feira Popular. A começar pelo vendedor de bilhetes e a acabar nas zaragatas de bêbedos, resolvidas ao fim da noite por polícias de nariz encarnado e olho também brilhante. Na realidade, a Feira tresandava a álcool, odor encoberto pelo manto diáfano do frango, da sardinha, e dos “Definitivos”! A pontaria dos “Tirinhos” era recompensada com “ginginhas sem elas”! Quem enfiasse “As Argolas” no gargalo duma garrafa, levava a garrafa – aberta, de preferência! Quem marcasse um penálti directo ao buraco aberto no ventre dum guarda-redes de madeira, bebia o dito-cujo na hora! No “Café dos Pretos” não faltava o “chiribi”! A sangria corria a jorros nos “terraços panorâmicos”. E as caricas de “Sagres” faziam parte integrante de todo o piso da feira! Uma fartazana de copofonia!
    Mas o grande monumento, a meca, o altar-mor de todas as grandes bebedeiras que Entre-Campos deu ao mundo, era sem dúvida a “Tasca da Joana” – uma colorida e típica adega ribatejana, cheirando a vinho – como todas as tabernas – construida à volta de uma vaca de loiça, em tamanho natural, de cujas mamas saía “O puro leite da uva, por conta do criador”. Era uma casa espaçosa, de paredes brancas e bem iluminadas, com adornos de telha “antiga-portuguesa”, e semi-vasos de parede, em barro avermelhado, com plantas de plástico, verdes. E por cima da vaca, o menú de iguarias, escritas a azul em pequenos azulejos brancos: “Pipís à Joana”; “Pregos à Joana”; “Moelas à Joana”; “Túbaros à Joana”, e muito mais… tudo “à Joana”!
    Na casa, sem mesas, e sempre cheia até à rua, os empregados, suados e descompostos, gritavam uns para os outros atrás dos balcões corridos: “Mais três penáltis brancos!”; “Mais quatro penaltis tintos!”, enquanto viravam os seus próprios penáltis com o mesmo ritmo dos clientes, mas de uma vez só, para poupar tempo, num brusco inclinar de cabeça, regressando à posição inicial de sempre-em-pé, como se não fosse nada. O chão estava pejado de beatas, guardanapos de papel, cascas de tremoço, vinho entornado, vidro partido e lixo avulso – sinal de ocupação feroz e constante. O fandango brotava estridente e abundante dos “cornos sonoros”. A vozearia da clientela subia de volume com o correr da noite e do vinho, misturada com um altifalante propondo viagens alucinantes na vizinha “Selva”. O ruído de copos partidos com uma certa regularidade fazia parte da trilha sonora habitual na casa. E para animar ainda mais a clientela, de quando em quando os empregados agitavam com veemência o enorme chocalho da vaca, criando um clima sonoro de largada de toiros, ébrio e caótico, corroborado de vez em quando pela própria Joana, que no êxtase das rodopiantes e vertiginosas bebedeiras da clientela e do pessoal, mimava as redondezas com um valente mugido – acionado por um pedal que alguém, na “hora H”, pisava com astúcia – na certeza de que todos os foliões num raio de trinta metros não iriam querer perder a loucura que se vivia naquele cantinho da Feira!
    Só que a vida tem destas coisas. Tudo o que é bom, acaba: Numa das minhas últimas visitas, em plena sexta-feira à noite, o cenário era desolador: A massa de gente que outrora entupia todas as ruas do recinto, todos os restaurantes, e todos os divertimentos, evaporou-se rumo a outras paragens – porventura mais actuais, enchendo porventura as suas monótonas e repetitivas “zonas de restauração” sem fumo, com embalagens plásticas não recicláveis, incolores inodoras e insípidas – num abandono que muito me entristeceu. E os divertimentos mais típicos e castiços – bem portugueses – eram os que estavam mais votados ao desprezo: a bola do “Penálti” lá estava, parada e quieta, esperando um pontapé certeiro. As trouxinhas do “Pim-Pam-Pum” jaziam imóveis no balcão garrido, sem ninguém que as arremessasse, o mesmo se passando com “As Argolas” e respectivas garrafas. As espingardas dos “Tirinhos”, abandonadas nos seus balcões desertos, também esperavam um atirador furtivo que fizesse abrir uma última garrafa de ginginha. Os salões de jogos, sempre apinhados de gente, que eram dos locais mais ruidosos do recinto, exibiam em silêncio mesas de matraquilhos vazias, saudosas dos seus característicos e barulhentos safanões. Mesas exclusivas da Feira Popular, sem a hegemonia dos eternos Benfica e Sporting. Mesas com bonecos do Porto, do Belenenses, do Vitória de Setúbal ou da Académica – do tempo em que havia pelo menos três negros em cada equipa, fielmente reproduzidos e misturados com os colegas “brancos”. Imóveis. Até a própria montanha russa, que normalmente tinha uma bicha onde pacientemente se aguardava pelo bilhete que dava acesso ás suas emoções fortes, ganhava ferrugem, com um ou outro casal que lá se aventurava na sua curta viagem…
    A tasca da Joana lá estava, vazia também, com o balcão todo à vista, o chão impecável, e o chocalho mudo depois de muitas noites de bebedeiras, fandango, badaladas e mugidos. Já nem a vinho cheirava. Aliás, não cheirava a nada naquela artéria sempre fumegante, rainha do frango e da sardinha. Impressionante mesmo era o silêncio: Nem gritos, nem música, nem festa. A vizinha “Selva”, fechada e desmantelada já não tinha o seu altifalante. O “Rola-rola” já não rolava. As roletas das “Panelas” estavam imobilizadas em silêncio, no escuro do seu barracão, as portas fechadas. A Honda 125 verde-escura de Joselito já não rosnava nervosa no seu equilibrio precário, em cima de rolos à porta do “Poço da Morte”. E o fumo, que com a multidão dava um certo ar de metrópole oriental às ruas apertadas foi substituido por um vazio com uma nitidez definitivamente triste. Enfim: um corpo outrora com tanta vida e tanta história apresentava-se moribundo e ferido pelo passar impiedoso de novas eras e novos costumes, abandonado no seu leito de morte, como uma antiga dançarina, preterida e esquecida depois dos seu áureos anos de fama. Deixa saudades, a velha Feira Popular. Tudo isto é fado, tudo isto é passado. Paz à sua alma…

    ALGUNS DIVERTIMENTOS DA FEIRA POPULAR – CONTADOS ÀS CRIANÇAS E LEMBRADOS AO POVO

    “A Selva” – Combóio-fantasma em mono-carril, de visual naif e esverdeado, a justificar o nome, com muitas palmeiras de madeira, e zonas supostamente muito escuras e aterradoras dentro das quais os passageiros atravessavam “florestas” repletas de teias-de-aranha, animais perigosos, e coisas piores, como o célebre “arranhão da macaca”, que na verdade era feito por um empregado escondido na escuridão…

    “Rola-Rola” – Carrocel-redondel estonteante, em rampa, com módulos giratórios quadrados, fixos pelo centro, com “carrinhos” em forma de cogumelo presos nos vértices, que numa combinação de força centrífuga com plano inclinado, levavam os viajantes ao rubro, em rodopios por vezes violentos. Impróprio depois de jantares pesados…

    “Poço da Morte” – Estrutura em forma de caldeirão, dentro da qual, o famoso Joselito e toda a sua família aceleravam a fundo em motos e automóveis de corrida aparentemente “colados” às paredes pelo efeito da velocidade e da força centrífuga, passando a escassos centímetros da cara dos espectadores. Um impressionante número de circo com uma demonstração grátis, no exterior – onde todas as noites Joselito se equilibrava ao pé-cochinho na sua Honda 125 verde-escura, acelerando sem medo em cima de um tapete rolante bastante estreito. Impróprio para cardiacos.

    “Panelas” Grande barracão de rifas em série, onde várias utilidades domésticas expostas nas paredes eram sorteadas a vinte e cinco tostões a senha (12 cêntimos!). O sorteio, tipo “Casa da Sorte” era feito por homens em pé, em cima dos compridos balcões, que depois da “série” vendida giravam uma série de roletas numeradas, numa grande algazarra, de feira, com um altifalante fanhoso a atraír a clientela. O prémio mais cobiçado – e o que dava o nome à casa – era um sortido completo de panelas, atadas em pilha umas às outras num sólido monobloco, que os felizes ganhadores exibiam orgulhosos durante o resto da noite, feira fora.

    “Penálti” – Divertimento para pequenos e graúdos, que consistia em pontapear uma bola de futebol – bastante mais pesada que o normal – com o fito de a enfiar num buraco aberto no ventre de um “guarda-redes” de madeira, colocado na respectiva baliza – com rede e tudo – a cerca de cinco metros da marca. Prémio por golo, um penálti (copo, entenda-se), tinto ou branco.

    “Pim-Pam-Pum” (cada bola mata um!) – Grande atracção para toda a família, constava de uma série de pequenas bolas moles, feitas com “desperdício” misturado com pedrinhas e forradas com peúga, que depois de arremessadas deveriam acertar nuns bonecos e bonecas risonhos e indescritíveis, do tamanho de um adulto, animados mecanicamente por forma a escaparem à pontaria dos visitantes. A grande distância a que se encontravam do balcão dificultava – e de que maneira – o arremesso certeiro. Por vezes formavam-se multidões, curiosas com o alarido de alguns valentões, que desesperados por não acertarem no alvo, atiravam furiosamente as bolas, que embatiam com estrondo na parede do fundo, atraindo novos candidatos. Prémio por bola no objectivo – um cálice de Porto.

    “As Argolas” – Atracção exclusiva para copofónicos: A dois ou três metros do balcão, uma mesa repleta de garrafas muito juntas em magote, todas de bebidas alcoólicas castiças – do Ponche ao Licor Beirão; do Triplice Âncora ao Abafado – esperava a pontaria dos candidatos, que tentavam acertar com pequenas argolas de madeira nos seus gargalos, coisa que eu, em trinta e cinco anos de visitas nunca consegui – nem vi niguém conseguir. Contudo, o prémio pela façanha seria levar a garrafa “para esvaziar com os amigos!”.

    “Palácio dos Espelhos” – Hilariante divertimento, sempre muito concorrido, graças ao seu enorme letreiro, com promessas de “Rir, Rir, Rir!”. O que até nem era preciso, porque no exterior, alguns altifalantes fanhosos atraíam os curiosos com as gargalhadas, captadas por microfones também fanhosos, dos ocupantes no seu interior. Mas o que é que tanto fazia rir os foliões? Uma colecção de espelhos disformes e ondulados que devolvia reflexos inacreditáveis e óbviamente cómicos a quem neles se mirava. Um “must” da Feira!

    “Castelo-Fantasma” – Mais um combóio-fantasma, com visual de castelo medieval, em cuja fachada pontuavam bonecos com uma iluminação sinistra, para os tornar supostamente assustadores. Para isso contavam com a preciosa ajuda do barulho tétrico e violento que o pequeno trem fazia ao saír e penetrar nas trevas chocando directamente com as suas enormes portas de ferro azul-vivo que latejavam ruidosamente à sua passagem. Lá dentro, algumas artimanhas visuais, com caveiras e esqueletos mal iluminados, tentavam sem sucesso aterrorizar os divertidos viajantes, que, sendo namorados, aproveitavam para trocar carícias no escuro…

    “Tirinhos” – Barraca de tiro-ao-alvo ostentando um conjunto ferrugento de velhas espingardas de pressão de ar, com miras vesgas e canos ziguezagueantes. Ao terceiro ou quarto tiro, feitas as compensações da paralaxe, era possível acertar no alvo – uma chapa do tamanho de uma moeda pequena, colocada no centro de uma pipa de vinho – que quando atingida pelo chumbinho, fazia soar uma campainha estridente – sinal de que o atirador tinha direito a um cálice de ginginha!

    “Barcos a Motor” – Réplicas fiéis do filme de Hitchcock “Strangers On A Train”, com protecção anti-choque, dada a exiguidade do pequeno lago quadrado onde em ambiente sub-iluminado circulavam em velocidade de caracol anfíbio. Supostamente criados para viajens amorosas, e dada a ausência do “túnel do amôr” imposta pelo espaço apertado e pelo regime (também apertado) de Salazar, limitavam-se a pequenas voltas em círculo, ao som deprimente e monótono dos seus motores a gasolina, envolvidos em tremendas nuvens de fumo de escape. Uma atracção, no mínimo tóxica, e grotesca…

    “Pista de Velocidade” – Autêntico autódromo todo em madeira com um traçado vertiginoso à volta dum “chouriço” central, onde os carros – bombásticos cabriolets americanos – com um pára-choques de lata a toda a volta, experimentavam a loucura dos 20 Km/h em rotações sucessivas, soltando enormes faíscas eléctricas ao som de mais um altifalante fanhoso, através do qual uma voz castiça e anasalada recomendava calma aos corredores. Para tornar o cenário mais parecido com uma autêntica pista de corridas, havia pintadas a toda a volta da pista, paisagens bucólicas com motivos campestres e inocentes. Perigo iminente!

    “Carrinhos de Choque” – Concorrentes directos da “Pista de velocidade”, os carrinhos de choque, iguais a tantos outros, em tantas outras feiras, eram uma atracção obrigatória. Era raro haver um carro vazio, e quando havia era destramente pilotado por um dos rapazes da casa, sentado no capot em posição pouco ortodoxa.
    A multidão que geralmente cercava a pista gerava grande confusão nos intervalos das “corridas”, tentando chegar às viaturas vagas, e não era raro haver atropelos no começo de “nova viagem”… Alguns foliões mais espertos faziam réplicas em barro das fichas plásticas sem as quais os carros não andam, e ficavam horas em pista fazendo sorrir os empregados, convencidos que havia muito dinheiro em caixa…

    “Girafas” – Enorme e ruidoso carrocel em forma de oito, também chamado “sobe e desce”, misturava no seu tapete rolante bancos de jardim com uma série de animais, como zebras, cavalos ou peixes, sendo as girafas os mais altos, o que permitia aos viajantes socar umas bolas penduradas de cabos horizontais, que quando atingidas com violência, davam várias voltas aos ditos cabos, antes de novo soco certeiro. Um inevitável altifalante tipo megafone, compunha o barulhento ramalhete com uma conversa de chacha, sempre anunciando “mais uma volta!”.

    “Foguetão” – Próprio para testar a força e a masculinidade a “touros enraivecidos”, era um pesado projéctil fusiforme, sobre carris numa curva em espiral ascendente. Com um valente empurrão, deslizava pela subida. Se atingisse o topo, o que era raro, fazia tocar um sino, que dava automáticamente direito a um copo de vinho. Impróprio para meninas.

    “Cadeirinhas” – Proibidas durante mais de uma década devido a um grave acidente com uma estrutura igual durante um S. João no Porto – que causou vítimas mortais – as cadeirinhas individuais estavam penduradas por correntes tipo baloiço, a uma enorme “roda de bicicleta” horizontal, meia dúzia de metros acima. Ao girar com velocidade, projectava-as no vazio provocando grande gritaria por parte dos seus ocupantes, pois os choques entre si eram frequentes, e uma vez por outra, as compridas correntes entrelaçavam-se causando grandes confusões. Super-castiço!

    “Café dos pretos” – Cópia fiel do café “Mazumbo do Kimbondo”, no bairro luandense do Sambizanga, tinha o condão de transportar imediatamente o visitante para o coração de África, apesar do cheiro a farturas da barraca contígua e do barulho dos vizinhos “Aviões”. Ao ar livre, e debaixo de sombrinhas de colmo – muito úteis à noite, para conter a cacimba de Lisboa – era possível saborear um enorme copo de “café de saco” a ferver, encaixado numa espécie de cahimbo de madeira, para não queimar as mãos dos brancos. O “Xiribi” que acompanhava o café, vinha directamente de Angola, e a sua fórmula duvidosa mas letal, sempre foi mantida em segredo…

    “Comes e Bebes” – Mais que muitos, para todos os gostos e feitios, mas geralmente em casas de dois pisos com “terraço panorâmico”, que na melhor das hipóteses dava para dentro da Feira, e na pior, para a escura e desolada Av 5 de Outubro.
    Atracção principal, sempre foram os frangos e as sardinhas assadas, cujo cheiro chegou a ser sentido em Cacilhas, em raras noites de vento de norte. Mas havia manjares para todos os gostos, começando nas entradas, que podiam ser tremoços, caracóis, chouriços, moelas, pipis, couratos, pica-paus, etc, para acabar nos pesos pesados da culinária portuguesa: das tripas à moda do Porto ao ensopado de borrego, da alheira de Mirandela à caldeirada, passando pelas papas de serrabulho, e pelas mais expessas feijoadas. Para acompanhar? Vinhos brancos e tintos de todas as regiões demarcadas e não-demarcadas, abafados, traçados, jeropigas, moscatéis, licores, aguardentes, novas e velhas, e – pasme-se – água engarrafada, e da torneira!
    Cenas de pancadaria quase diárias, geralmente motivadas por trocas de palavras e ciumeiras alcoólicas, eram grande atractivo, trazendo grandes grupos de estudantes a estes monumentos da comida e da bebida.