Mindelo, à sombra fresca das árvores da Praça Velha, olho o museu vestido de tampas de bidons coloridos. São bidons de sobrevivência que cobrem de cor o museu e chegavam ao Mindelo, carregados de mercadorias.
Desta vez está aberto! Finalmente acertámos com um horário.
Não queríamos perder esta maravilhosa retrospectiva da obra de Manuel Figueira.
Minnie Freudenthal
Junho, 2024
Ver mais sobre o Centro Nacional de Arte, Artesanato e Design (CNAD)
Reproduzimos na integra o excelente folheto do CNAD, que acompanhava a exposição
MANUEL FIGUEIRA
DESENHAR A RESISTÊNCIA
“Cada geração deve descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la em relativa opacidade” Franz Fanon
Abordar a obra de Manuel Figueira é um gesto de ousadia, que requer um cuidadoso desvendar e descobrir camadas conceptuais. simbólicas, pictóricas; significados e significantes. “Desenhar a resistência” propõe um olhar transversal pela produção artística de Manuel Figueira, desde o período de estudante em Lisboa até à sua fase de cronista do Mindelo. Um entrelaçado de diversos aspectos da sua produção, sem pendor cronológico.
Mais de 10 anos se passaram desde a última exposição individual de Figueira em Cabo Verde. Assim, excepto um pequeno núcleo de pessoas próximas, poucos tiveram o privilégio de experienciar o sua produção artística de forma constante. Isto coloca-nos, enquanto curadores desta mostra, diante de um enorme desafio: como abordar tão vasta e complexa produção, simultaneamente local e global? Como articular diferentes aspectos desta resistência, que aqui se assume enquanto prática artística e enquanto modus vivendi? Em que linguagem pensar e traduzir uma produção simultaneamente presente e ausente deste espaço-físico e geográfico?
Figueira é artista complexo cujo produção se afirma sempre na liminaridade e com um sentido de colectividade – a utopia do colectivo que lhe é particular e dá sentido à sua existência enquanto indivíduo e artista comprometido. “Desenhar a resistência”, sugere e propõe uma reflexão dialéctica entre vida e obra. Entre espaços e tempos, entre caminhos e desafíos. Sempre oscilando entre o pessoal e o colectivo. Mesclando e diluindo binarismos criados pela modernidade – popular vs erudito, abstração vs figuração, realidade vs memória e ficção. Para Figueira, o mito. o conto e a ficção foram sempre ferramentas para abordar a realidade. O desenho livre e de preparação, desenho enquanto forma de escrita e registo de observação, mas também de distorção e imaginação é recorrente na sua prática. Camadas e sobreposições, ora mais ténues, ora mais densas, num processo similar ao da tingidura, num percurso de exploração e experimentação infinito. Temas como a cidade e as suas peculiaridades, memórias familiares, contos e mitos populares, a paixão pelo cinema repetem-se, misturam-se e resultam em imagens fantásticas. O batik, a tecelagem, a tapeçaria, colagem, pintura, o desenho e a escrita todos “dizem o mesmo de formas distintas”
A sua pintura une o pessoal e o político, o abstracto e o figurativo, o humorístico e o trágico. Embora desvalorizasse a relação directa com a literatura, Figueira é acima de tudo um contador de histórias.
E é este processo de plena liberdade, entre a pesquisa e a práctica, que dá mote à concepção desta exposição:
GALERIA LUÍSA QUEIRÓS
A utopia da colectividade ou pequenas resistências… um período mais revolucionário, onde à partir do arquivo do Centro Nacional de Artesanato, se desdobra em produção posterior, em obras que aludem, homenageiam, e expandem algumas temáticas. O seu trabalho de ilustração e relação com a poesia revolucionária, como em Capitão Ambrósio, presente na forma de desenhos ilustrativos do livro de Gabriel Mariano, como aguarelas que serviram de preparação para a grande tapeçaria, que pode ser visto na exposição permanente do CNAD. A obra Búzio na Laginha, batik que foi levado para Portugal para um evento e esteve perdida durante anos. Recentemente resgatado e parte do acervo do CNAD é mostrada pela primeira vez. Cadernos e esboços, desenhos de preparação, memórias familiares e cruzamentos temporais reúnem-se aqui, de forma a revelar os processos criativos.
GALERIA BELA DUARTE
Micronarrativas ou de como da história de um povo se faz arte…a parte mais densa da exposição, organizada por pequenos núcleos temáticos recorrentes na sua obra. A observação, a sátira, o desejo Ingênuo, o humor, os mitos e a cultura popular. Dá mote a esta viagem, uma série de obras (auto) retratos que abordam a vaidade, uma crítica ao individualismo a partir do mito de narciso ”que acha feio o que não é espelho”. Obras agrupadas por temas: fachadas da cidade, crónicas do Mindelo, contos populares. As últimas obras, com uma paleta mais ténue e voltadas para a abstração, deixam-nos a dúvida, estariam terminadas ou são um anúncio do que estaria por vir?
Entre a ousadia, liberdade e as pequenas e grandes revoluções, a produção artística de Manuel Figueira ensina-nos o quão importante é perceber as condições culturais, linguagens e métodos de ser e fazer das comunidades (pequenas). A tomada de consciência das característicos que as compõem e as suas especificidades, são primordiais se quisermos abordar as complexas histórias (poéticas, trocas de imigração e de retorno) que influenciaram e continuam influenciar linguagens artísticas e a construção de identidades.
Paula Nascimento, Ângelo Lopes
FICHA TÉCNICA
Curadoria Paula Nascimento e Ângelo Lopes, Investigação e assistência Elisangela Monteiro – CNAD, Design expositivo Ângelo Lopes e Paula Nascimento, Produção CNAD, Design Karine Patrício -CNAD, Vídeos Arquivo TCV e Arquivo CNAD, Som Universo da Ilha Vasco Martins 1986, Tradução Louisiana Matost Ogunfowra, Galerias Luísa Queirós e Galeria Bela Duarte, Inauguração 14 Dezembro 2023, Obras gentilmente cedidas Acervo CNAD. Sérgio Figueira. Ana Cordeiro, Carlos Morbey Duarte Silva, CNAD, Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas
Galeria de Imagens
Fotos de Minnie Feudenthal e Manuel Rosário