De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...
 

O Futuro ( a 4 mãos)

Carreguei num botão e o futuro saltou-me para o colo, reboliço, inquieto e curioso como um puto. E sem que eu pudesse ou quisesse, cresceu, cresceu, cresceu e vi-me rodeada pela sua natureza incerta.

Mas ancorei-me nele, naquele futuro que me caíra no colo, apoiada a um grande écran duma substância biológica que deixava o meu corpo trespassar a sua espessura e assim entrar num lado de lá de algo que ainda não conseguira compreender.
Ok! Fechei os olhos, respirei fundo, não queria que o meu córtex pré frontal se interpusesse entre os meus sensores ambientais e o resto do meu cérebro, aquele que é capaz de ser sensível a milhões de estímulos diferentes.

E foi assim que, mais desligada da memória, mais criança, me pus a olhar o Futuro que me rodeava.
Entretanto, apercebi-me que o meu corpo ganhara uma nova dimensão: como se a consciência tivesse evoluído e me servisse agora de regulador da minha interacção com o ruído, o cérebro dos outros ou mesmo a intensidade das cores. Os outros, sorriam mais, os outros, mesmo os estranhos pareciam sentir-me por uma fracção de tempo, com um click de connectividade. Não havia tanta estranheza entre as pessoas que me pareciam exoticamente belas e saudáveis.
Também havia velhos, isto é, mais velhos do que outros que me pareciam mais novos, mas não andavam curvados, nem coxos, nem tinham óculos, nem bengalas. Na verdade não se via, mas sentia-se que eram mais velhos.
E foi aqui que me apercebi que sentia muito mais, que lia o mundo que me rodeava com uma outra dimensão, que acima de tudo sentia o cérebro dos outros, ou antes, todos eram capazes de estar fisicamente conscientes da interligação dos nossos cérebros. E talvez por isso, um estranho já não era tão estranho e sentia-se menos medo
Vi um sinal que me parecia ligado à saúde, não era um sinal de hospital, mas nele o ser humano era representado numa postura de equilíbrio e como médica fiquei curiosa….entrei, não cheirava a desinfectante, o ambiente era calmo, luminoso, duma luminosidade energizante, fui identificada no próprio chão através dos meus pés: “humana pré neo-evolução, siga a luz azul até ao scanner universal. Bem vinda!
Neo-evolução?

(a continuar…)

Minnie Freudenthal

futuro a 4 mãos
futuro a 4 mãos
futuro a 4 mãos

E então cheguei a um lugar estranhíssimo, pacífico, e suspenso no tempo, no espaço, onde eu trabalhava… Era como uma bolha em que crianças flutuavam pelo ar envoltas em nuvens confortáveis amenas e quentes. Havia crianças que dormiam, outras tinham os olhos abertos, mas estavam todas num estado que atingia os 100% de paz , os 0% de medo ou dor, parâmetros esses que nos eram transmitidos, para além da frequência cardíaca, temperatura, fome, sede, cansaço, luminosidade de cada um, pela cor mutante das nuvens que as amparavam; cá em baixo numa bancada, os profissionais tinham num ecran aquoso a representação das hélices de dna, dos miúdos que tratavam, e como estávamos numa unidade de cuidados intensivos, as manobras virtuais de alteração e reconstrução das hélices eram extremamente arriscadas e precisas. Eu e os meus colegas deixávamos o cabelo ao ar, os braços em gestos largos e livres e lentos como quase sem peso, como se só focados nos nossos pensamentos (que nos faziam baloiçar a cabeça rica e feita floresta de ideias) e também nas vibrações que nos uniam, pelo pensamento, uns aos outros e às crianças e às famílias.
Uma Unidade de Cuidados Intensivos neste futuro era assim um micromundo unido nessa bolha de calma e de luz perfeita em que tudo se destinava a reequilibrar corpos e cérebros muito doentes – daí o nome, unidade – tudo se unia por um fim comum através duma rede magnífica e invísivel de informações, pensamentos e sensações. E o único ruído feliz que se ouvia era o do ronronar desta teia irrequieta e produtiva. E o sermos unidos pelas ideias pelos projectos pelos gestos preciosos fazia de nós pessoas felizes.

Segui os sinais que me levaram ao um jovem e simpático médico…

(a continuar…)

Helena Almeida

futuro a 4 mãos
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futuro a 4 mãos

Quando fui chamado à consulta para observar o “humano pré-neo-evolução”, diagnosticado pelo SITA (Sistema de Identificação e Triagem Automático), estava a trabalhar no laboratório, onde estava a corrigir a sequência de adeninas e guaninas de uma pequena célula (que um dia irá crescer e multiplicar-se para vir a formar um indivíduo completo e consciente de si mesmo).

No caminho, para lá, não conseguia parar de pensar sobre o que iria na cabeça deste indivíduo. Lidar com estes estímulos todos, a que estaria sujeito, sem ter o domínio do seu neo-córtex, deveria ser assustador e exaustivo. Quando cheguei ao pé dele, percepcionei, logo, a sua inquietação, dúvida e delírio; sentia todas essas coisas dentro de mim, como se a inquietação dele me inquietasse. Apresentei-me e perguntei-lhe o nome e o motivo pelo qual tinha vindo ao SSE (Sistema de Saúde e Equilíbrio). Explicou-me que tinha avançado no tempo, algo que embora já estivesse a ser estudado pelos cientistas ainda não era possível.

Achei absurda a sua afirmação, no entanto, através da minha interligação com o seu cérebro, não sentia qualquer mentira. Fiz uns testes para ver se tinha alguma lesão cortical e nada, apenas notei algo, que me deixou extremamente curioso. A maioria da sua zona cortical estava adormecida, havendo uma hiperestimulação de todo o lobo parietal, que se encontrava a tentar captar todos os novos estímulos.

De facto, com este quadro clínico, o retorno no tempo seria a explicação mais óbvia. Nesta altura, o nosso conhecimento das funções e possibilidades cognitivas era ainda extremamente reduzido, sendo que apenas utilizávamos um ínfima parte do complexo nervoso, que é o nosso cérebro e as estruturas com este relacionadas. Apenas nos limitávamos a viver na nossa pequena insignificância dos 10% de capacidade neuronal.

O neocórtex, como lhe chamamos, estava completamente inactivo, limitando este pobre indivíduo a uma estupidez mental. Como consequência, apresentava um delírio e confusão mental elevados, devido à complexidade do mundo que o rodeava, que parecia demasiado complicado para ser assimilado. Pobre coitado, algo claramente simples e trivial, como a inter-relação telepática, parecia-lhe, completamente, absurdo. Não conseguia compreender como é que eu falava com ele sem sequer transmitir som.

Após a realização exaustiva de vários exames, desde psico-funcionais, celulares, nucleares, projecção e estudo tridimensional das estruturas afectadas, entre outros, não consegui encontrar nenhuma causa clínica, como por exemplo uma lesão ou mesmo degeneração celular.

Tendo conhecimento da adaptação evolutiva que ocorreu ao longo deste milhar de anos, filtrada por selecção natural da nossa estrutura nervosa, o cérebro deste indivíduo encontrava-se exactamente igual ao de um típico Homo Sapiens Sapiens. Ou seja, sem qualquer neo-formação e com uma capacidade funcional muito reduzida em relação à actual.

Fiquei perplexo. Seria possível um ser, com menos 90% da nossa capacidade nervosa, ter conseguido arranjar maneira de viajar no tempo? Hoje em dia, os avanços nessa área, embora extremamente interessantes, mantêm-se inconclusivos. Será que, na verdade, fomos ultrapassados intelectualmente há mil anos atrás por um antepassado nosso, com menos de 90% de capacidade nervosa? Não queria acreditar, mas era a única explicação plausível, além da confusão que apresentava, o paciente sabia perfeitamente quem era, de onde vinha, e melhor, em que ano se encontrava.

Convoquei, imediatamente, uma reunião de serviço para tentarmos chegar ao fundo desta questão. Não fazia a mínima ideia do que se passava, sensação esta, que não tinha presenciado muitas vezes. Sentia-me mais humilde, mais frágil e questionei-me se, de facto, conseguimos aceder à total capacidade do nosso Sistema Nervoso, ou se, por outro lado, à semelhança do passado, existe um complexo enorme de coisas que ainda não compreendemos, nem temos noções que tais coisas existam ou possam existir.

…o encontro com o jovem médico deixou-me perplexa mas ao mesmo tempo mais lúcida sobre o caminho que a ciência tinha seguido. Ao sair da Unidade de SSE (Sistema de Saúde e Equilíbrio) deparei com uma placa familiar: “Cuidados Paliativos”. Ora ali estava uma designação que pertencia ao meu presente! Não podia deixar de entrar e saber, saber como era agora, agora no Futuro, para depois contar à minha amiga Carol que tanto se dedica a este assunto. Fui muito bem recebida…

(a continuar…)

Ryan Melo

futuro a 4 mãos
futuro a 4 mãos
futuro a 4 mãos

Na altura em que ainda se morria de doenças como cancro, doenças degenerativas e imunodeficientes e havia pessoas que morriam muito mal, com dor não controlada, com medo, em solidão e com angústia, havia médicos que, corajosamente investiram numa área considerada por muitos como suicídio em termos de carreira profissional e ousaram dedicar as suas vidas para que os doentes pudessem morrer de outra maneira, com dignidade e com a melhor qualidade possível. Em homenagem a eles, o nosso departamento manteve o nome de “cuidados paliativos”.

Hoje, o conceito de doença é diferente. Adoecemos quando perdemos o nosso rumo, o que nos faz perder o nosso equilíbrio e bem-estar. Tal como antigamente, quando enviávamos os nossos carros à garagem para alinhar a direcção, convidamo-lo a entrar no nosso departamento para alinhar a direcção da sua vida, tanto física, como emocional e espiritual.

Venha fazer um relaxamento, onde poderá mergulhar no silêncio do seu ser e entrar em contacto com o seu corpo, para sentir as lacunas e excessos, ou tensões que estão a contribuir para o seu desequilíbrio físico.

Venha participar nos nossos seminários trifásicos de relações humanas. No átrio, podemos ver imagens das consequências terríveis duma era onde ter razão era mais importante do que ser feliz, onde ter, era mais importante do que ser e onde reinava a desarmonia: imagens que nos relembram o holocausto relacional, uma era onde nunca mais queremos voltar. Será, então, convidado a entrar num espaço com todas as condições ambientais que lhe permitirá ausentar-se do mundo à sua volta para harmonizar os seus relacionamentos. Será instalado numa cápsula onde se sentirá a flutuar sobre nuvens em conforto absoluto e então, começa a primeira parte do seminário. Será activado um mecanismo que lhe permitirá entrar numa meditação profunda com total aceitação de si próprio. Neste estado, poderá observar o seu ser interior com total compreensão do seu estado psicológico e das suas emoções. assim como poderá viajar através de todos os vasos e células para ver o efeito que as suas emoções têm no seu corpo. Como não existe nenhuma pressão exterior, nem julgamento negativo, vindo de si próprio ou de outros à sua volta, não terá necessidade de se defender, e rapidamente conseguirá restabelecer a sua harmonia interior e o estado natural de amor para com os outros. Após essa primeira fase de auto-regulação, começará uma segunda fase de cura, onde a sua mente irá estabelecer uma comunicação telepática com todas as pessoas com quem a harmonia não era total e o seu presente estado de espírito tranquilo e amoroso irá contagiar o outro, através do efeito de vasos comunicantes. A terceira fase será o transporte físico instantâneo, para estarem na presença um do outro, caso ambos assim o desejam, para finalizar o estado de harmonia. É que apesar da enorme capacidade da nossa mente humana estar na presença do outro, o olhar nos olhos e o toque, continuam, tal como antigamente, a fazer parte da essência do ser humano.

Venha participar também nos nossos seminários de bem-estar espiritual. Finalmente, o ser humano da nossa era conseguiu ultrapassar o seu orgulho e é suficientemente humilde para aceitar que existe algo superior a ele. Também conseguiu aprender a lidar com a incerteza de não ter tudo sob controlo, mas sabe com convicção que apesar disso, existe um sentido para todas as coisas. Nestes seminários, poderá nutrir a parte do seu ser que necessita de transcendência. Os seres humanos de eras passadas alimentavam a sua espiritualidade de forma incompleta. Uns utilizavam a religião, outros a arte, outros a contemplação, outros a música e assim por diante. À medida que foram evoluindo, começaram a ter capacidade de utilizar mais do que um meio para sair de si e tocar o transcendente. Hoje, graças à utilização completa de todos os nossos sensores, somos capazes de entrar num estado de transcendência sublime, onde é possível usufruir de todas essas modalidades, simultaneamente. No entanto, para além do estado de transcend
ência vertical que acabámos de descrever, também poderá reequilibrar o seu ser espiritual através da transcendência horizontal. Descobrimos, há muito tempo, que o altruísmo só traz benefícios. Traz sentido e felicidade à nossa vida. As palavras como competitividade, arrogância, egoísmo, ambição a qualquer custo, deixaram de fazer parte do nosso vocabulário diário. Apenas encontramos essas palavras em dicionários muito antigos, guardados em bibliotecas. No entanto, mesmo hoje em dia, é possível distrairmo-nos e baixar o nosso nível de awareness das pessoas à nossa volta. Nestes seminários poderá voltar a sensibilizar a sua consciência, para ajudar os outros a crescer e a encontrar a sua plenitude. Hoje ninguém defende o seu espaço como antigamente, pois sabemos que há espaço para todos. Alías, sabemos hoje que foi essa descoberta do poder do altruísmo que levou o ser humano a evoluir, de forma tão extraordinária, para o estado onde nos encontramos. A origem da palavra “paliativos” significa “aliviar sem curar”
Hoje, não há doenças incuráveis. We can all be cured IF we allow ourselves to be healed. Este é o conceito actual de “Cuidados Paliativos”.

(a continuar…)

Carol Melo

Na escola, havia uma sala de aula onde as crianças passavam, a qualquer hora do dia, um tempo não mais curto do que o de uma aula com um professor.
Mas no período de uma semana de escola, cada criança usava aquela sala quatro vezes. Podia-se, ali, fazer qualquer actividade da escola ou pessoal, mas havia nesta sala uma outra dimensão: padrões coloridos seguiam aquelas crianças e mudavam de cor com a actividade que faziam.
A sala era transparente e deixava que aquelas cores iluminassem o espaço à volta onde circulavam alunos e professores.
Havia um responsável que servia de facilitador nas diversas tarefas das crianças. Quando me viu apresentou-se com um sorriso e convidou-me a entrar. Expliquei-lhe que era médica e que me interessava por educação, mas num daqueles momentos de percepção tão únicos, naquele futuro, compreendi que ele sabia quem eu era. Saltei as apresentações e perguntei para que serviam aquelas cores.
Disse-me, enquanto mantinha atenção nas crianças, que aquelas cores ajudavam as crianças, os professores e os facilitadores a avaliarem o desenvolvimento dos traços de carácter essenciais para que cada uma se tornasse capaz de “aprender e navegar”. A escola, dizia, não era o lugar de seleccionar leaders, nem de incentivar deferência à autoridade; o que se pretendia é que as crianças aprendessem a aprender.
E aquelas cores?
Aquelas cores eram uma representação virtual das oito características que nos ajudam a aprender, na Vida e na Escola.
Havia cores para a curiosidade, coragem, exploração e investigação, experimentação ou tentativa por erro, imaginação e necessidade de a temperar com a razão e a disciplina, sociabilidade e capacidade de reflexão ou antes o sermos capaz de dar um passo atrás, observar o nosso próprio modo de pensar e ouvir o outro.

(a continuar…)

Minnie Feudenthal
Novembro, 2011

futuro a 4 mãos

Fotos de Minnie Freudenthal e Manuel Rosário

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Escrito por

Alice Minnie Freudenthal, médica Internista pelo American Board of Internal Medicine e Ordem dos Médicos Portuguesa. Áreas de interesse; neurociência, nutrição, hábitos e treino da mente. Curso de Hipnose clínica pela London School of Clinical Hypnosis. Curso de Mindfulness Based Stress Reduction. Palestras e Workshops de diferentes temas na área da neurociência para instituições académicas, empresas e grupos.

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