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Deixar de trabalhar sem sentimentos de culpa

Apercebi-me que a frase “deixar de trabalhar sem sentimentos de culpa”, do texto do Pedro Leitão sobre os elefantes reformados, ficou a pulsar nos meus ouvidos. Do nada, a minha atenção embrulhava-se com a ideia da reforma. A reforçar este tema fui ver o filme “Juventude” onde um famoso maestro e o seu grande amigo cineasta vivem de modo diferente o rematar de carreiras brilhantes. As belíssimas interpretações de Michael Caine e Harvey Kaitel transmitiram as emoções e conflitos que este passo da vida pode envolver.

Resolvi levar o tema para a mesa de amigos já reformados: uma diplomata, um gestor, um homem de negócios. As mulheres do grupo, mesmo reformadas, continuam a trabalhar como “home makers”.

Todos reforçaram a ideia de que, para eles, a reforma funciona como uma segurança social em substituição da tradicional dependência dos filhos. Firoz, um bem sucedido homem de negócios da Tanzânia, na casa dos 70 anos, lembra como a geração dos seus pais investiu tudo nos filhos, esperando que estes cuidassem deles após a reforma. Mas caso os filhos não fossem bem sucedidos, todos ficavam na indigência.

Nem todos temos sorte ou oportunidades iguais e por isso a rede social do Estado teceu-se para ajudar os necessitados. Foi assim que, em 1889, Bismark criou a primeira pensão para trabalhadores com mais de 70 anos. No entanto, na Prússia, a longevidade média da época era de 45 anos. Nem todos chegavam à reforma! Só em 1908 é que Lloyd George, o primeiro politico liberal Inglês que conseguiu ser Primeiro Ministro, estabeleceu um pagamento de 5 shillings para os pobres que conseguissem chegar a essa provecta idade de 70 anos. No entanto, eram poucos os Britânicos que passavam dos 50. Em 1935 nos EUA foi criado um sistema social de pensões a partir dos 65 anos, apenas 3 anos para lá da sobrevivência média. Hoje muitos de nós vivemos um quarto século para além da idade de reforma. Hoje todos, ricos e pobres, reclamamos o direito à reforma.

deixar de trabalhar sem sentimentos de culpa
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Mas o prolongamento da nossa longevidade, muitas vezes com capacidades cognitivas extraordinárias, é um factor que obriga a reflectir sobres esta equação. Primeiro, pela satisfação que muitos têm em permanecer profissionalmente activos mesmo que com níveis de envolvimento social mais reduzido e ajustado à idade respectiva. Segundo, pela sobrecarga financeira resultante duma população cada vez maior do lado dos reformados e duma geração mais nova que parece não sentir culpa por não trabalhar.

Assim, entre conversas e reflexões ao volante, lembrei-me também dum documentário que vi nos EUA nos anos 80, sobre soluções inovadoras no trabalho. Duas histórias ficaram para sempre na minha memoria: numa empresa um cargo gestão importante era repartido por duas mulheres que geriam esta partilha de modo eficiente e integrador. O outro caso, não tanto relacionado com a reforma mas mais com a culpa, era a do então CEO da Hewlett-Packard numa cidade da Califórnia, viúvo e pai de 2 pequenas filhas. Sem sentimento de culpa, deixava qualquer reunião importante para acudir aos problemas das filhas.

Como serão as reformas daqui a 50 anos? Que percentagem da população continuará a trabalhar? Poderemos nós no futuro ter um processo de reforma progressivo? Ajustar o tipo e carga horária para nos mantermos mais anos a contribuir para a sociedade aproveitando a experiência acumulada própria da idade da reforma? Teremos nós perdido o sentimento de culpa por não querer ou não gostar de trabalhar?

Empresas como a Hitachi já começaram a recrutar os ex-empregados reformados para certo tipo de trabalhos mais adequados. E mesmo que com menos criatividade, a McDonald’s, Wal-Mart ou Britain B&Q começaram a empregar reformados porque os clientes os acham amigáveis e úteis.

A verdade é que uns sentem a reforma como libertadora em relação a algo que nunca gostaram de fazer, outros como um período para desenvolver facetas novas ou aptidões adormecidas outros ainda preferem continuar activos e integrados na sociedade. Nada é definitivo, tudo muda e só deixando arrefecer as emoções sobre estes assuntos e enfrentando as questões que nos amarram a preconceitos podemos tornar a nossa sociedade mais flexível e com maior capacidade de adaptação.

Minnie Freudenthal
Maio, 2017

Fotografias de Minnie Freudenthal e Manuel Rosário

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Escrito por

Alice Minnie Freudenthal, médica Internista pelo American Board of Internal Medicine e Ordem dos Médicos Portuguesa. Áreas de interesse; neurociência, nutrição, hábitos e treino da mente. Curso de Hipnose clínica pela London School of Clinical Hypnosis. Curso de Mindfulness Based Stress Reduction. Palestras e Workshops de diferentes temas na área da neurociência para instituições académicas, empresas e grupos.

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Últimos Comentários
  • gosto muito do título deste artigo, minnie! e do sentido que dá ao mesmo. Cada um de nós vai encontrar como preencher (ou não…) o “espaço” que a idade nos cria.