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Cromuel no bambuzal

No interior da costa de manguezais, que se estende a sul da Baía de Todos os Santos (Brasil), a cachoeira da Pancada Grande fica perto de Taperoá, na Região de Tinharé. O rio, de tamanho intermédio, passa lento e untuoso por entre a densa mata atlântica. Já perto da praia, cai de repente várias centenas de metros, com uma enorme pancada, por entre rochas férreas escuras. A Michelin, dona das plantações de seringueira (borracha) que substituíram a mata, decidiu preservar aqui o pouco dela que ainda sobra. Montou, pois, uma discreta instalação turística, onde os caminhos são pavimentados com as cascas partidas da amêndoa de dendê que sobram da extracção do óleo para a muqueca bahiana e o culto aos orixás. Aí, por onde há várias décadas descia o tubo de água que movia a turbina eléctrica da fábrica, há agora uma escada para turistas, serpenteando elegantemente no interior do pujante “bambuzal”.
Os jovens da vizinhança, visitando em bandos coloridos ao fim de semana, sentem-se compelidos a objetificar a sua identidade ainda insegura, os seus amores ainda incertos ou os prazeres secretos através dos quais procuram liberdade para crescer … inscrevem-se na casca verde e virgem dos bambus gigantes.

Em 11 de Setembro de 2004, o Cromuel e a Dil amavam-se. Ele, assim chamado porque a mãe gostou do actor de um filme inglês; ela, Dileuza, porque o pai era um tal Dilon e a mãe Neuza. Já o Glauber, nome de político, e a Graziela, nome de actriz, não estavam ainda certos um do outro. No tronco ao lado, inscreveram-se os irmãos gémeos Helton e Helwis, com os seus “nomes bonitos”: individualizantes, bem sonantes, cheios de referências “chique”: a estrangeiro, por causa do ‘h’ e do ‘w’; e a músicos famosos, Elton e Elvis.
Já o Cromuel explica-nos que “Bob Marley é Reggae Music na veia” e deixa uma representação dos seus êxtases clandestinos. Sobretudo, porém, assinala o estilo mediatizado internacional através do qual deseja celebrar a sua liberdade pessoal e realização hedónica. Não dá para saber se tinha mais ou menos melanina na pele – não importa nesta zona, onde todos têm sangue branco, negro e ameríndio, nas proporções mais variadas.

João de Pina Cabral
Setembro, 2019

Fotos de João de Pina Cabral e Manuel Rosário

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Escrito por

Antropólogo social, Investigador Coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Foi Presidente da Associação Europeia de Antropólogos Sociais entre 2003 e 2005. Entre muitas outras obras é autor de Between China and Europe: Person, Culture and Emotion in Macao. Continuum/Berg, Nova Iorque, 2002 e co-editor com Frances Pine de On the Margins of Religion, Berghahn, Oxford, 2007.

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