De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...
 

Balada para o João Cutileiro

Balada para o João Cutileiro

Foi então ele que partiu
na longa noite de fado,
noite de consagração
comentei para a menina
a verde, que está sempre
ao pé de mim.
E tinha de ser agora?
Fico ainda mais sozinha?

Não sei quem abriu a porta…
eu tenho estado de guarda
e mais uma vez alguém foi
e partiu sem dizer nada…
com ele já se foram muitos,
mas eu dele não esperava.

Foi chamamento de estrela
foi rasgão na sua pedra
que não deixou que se abrisse,
já nada estava escondido
no segredo desses veios
o coração não batia
e ele não tinha receios
olhava a morte de frente
como Dom Sebastião
menino imberbe roubado
aos mares da inquietude,
aquele desejo de ser
que a ele também consumia…

Disse eu à Menina Verde:
não me explicas onde estavas,
se estavas onde eu pedia…
eu que já peço tão pouco
apenas a companhia…
E disse então a menina:
sei que se foram embora
foram uns atrás dos outros
pela noite fugidia…

A vida estava cumprida,
nada mais fazia falta,
pedra a pedra trabalhada
seu peito todo riscado
mãos feridas de escolher
a pedra que lhe faltava

Pedra numa pedreira
que não dizia onde estava.

Yvette Centeno
in memoriam, Lisboa Janeiro, 2021

Fotos de Yvette Centeno

Ver mais textos da autora

EDUARDO LOURENÇO - Chegou, trazia livros consigo e a paixão de Pessoa perdido num labirinto. Labirinto de infinito. Logo disseram alguns é pensador pessoano. Pessoano, coisa estranha nome que o definiu e nunca lhe tinham dito.

Partilhar
Escrito por

Nasceu em Lisboa, é casada, tem quatro filhos. Cresceu numa casa onde havia livros. Leu sempre, leu muito, de todas as maneiras. Doutorou-se em Literatura Alemã, mas interessou-se sempre por História das Ideias, História de Arte e Literatura Comparada. É Professora Catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde criou os primeiros cursos de Tradução Literária. Tem obra de ficção, poesia, teatro e ensaio publicada em várias línguas. Quanto à música, as preferências andam pelo jazz, Mozart e Wagner… Foi recentemente distinguida com a Medalha de Honra do Autor Cooperante pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).

COMENTAR

Últimos Comentários
  • Um poema em que se define a partida de alguem que se nao quer perder.Nunca…