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Viagem à Terra Santa

Uma multidão compacta desliza lentamente ao longo da Via Dolorosa. Tendas vendem objectos de cariz religioso cristão. Quinquilharia made in China. Os vendedores são todos palestinianos, é impensável poderem ser judeus. Tal como no tempo da Relíquia do Eça, mas sem relíquias. E vê-se de tudo, ortodoxos gregos, frades e freiras, cónegos e padres. Vi mesmo um africano semi-nu, com uma pele de leopardo. E disfarçados por trás de vestimentas de turista, mórmons, testemunhas de Jeová, e todo o catálogo de seitas cristãs participam na procissão.

Somos empurrados para o cortejo. Paramos nos locais assinalados, nas etapas que marcam o caminho do Gólgota.

Pouco mais tarde vemo-nos num grupo, visitando o local do nascimento de Jesus. E passamos também por mais sítios bíblicos de que já esqueci os nomes.

E assim por diante. Com o calor e cansaço, perde-se a orientação espacial e temporal, de maneira que a chegada ao hotel, com um duche balsâmico antes do jantar, faz esquecer a estopada da longa tarde.

Ao jantar no hotel voltei a sentir a hostilidade e falta de educação do pessoal em serviço. Todos os parceiros da excursão se queixavam do mesmo. Quando confrontei o nosso guia, Israelita Judeu e falando um português impecável, ele explicou-me que os jovens criados de mesa aceitam o emprego por serem estudantes. Relutantemente, porque é humilhante para um Judeu servir Gentios. Para um turista estrangeiro e não Judeu, o serviço hoteleiro é péssimo, reconheceu ele.

Senti-me preto do Alabama no tempo do Jim Crow.

No dia seguinte separei-me do grupo e sentei-me numa esplanada dum restaurante. Fui servido à bruta. Mendiguei um sorriso ao empregado, com uma atitude vagamente subserviente, mas sem resultado. Foram rapidíssimos a trazer-me a conta.

Às duas da manhã em Jerusalém os passeios são tomados por Haredim ultra-ortodoxos a empurrar carrinhos de bébé. Todos de preto, num passo estugado a caminho da Yeshiva. Estudam à noite a Torah, não trabalham nem vão à tropa, e recebem subsídio do governo por cada filho que produzem. É um desemprego de luxo em que a razão de ser é sexo. E a média de sete filhos por casal contrabalança a fecundidade dos Palestinianos. Representam a incubadora dos judeus de Israel. Com os chapéus cilíndricos e patilhas de caracóis, são indistinguíveis dos Hassidim de Nova York.

É um país bizarro e extremamente complexo. É impossível elucubrar sobre o futuro. À noite no hotel, aprendi na internet factos curiosos sobre o tecido social de Israel. Os Askenazi dominam desde a fundação do país. Sefarditas e Mizrahim são grupos subalternos. Desde então têm-se misturado e presentemente os judeus em Israel têm quatro subgrupos, entre os quais Hiloni e Haredim representam os extremos.

Os Hiloni são o grupo secular, altamente educados e cosmopolitas, não vão à sinagoga e detestam os Ortodoxos. Quando enfrentados com a pergunta: Com quem preferia casar a sua filha. Um gentio ou um Haredim ? A maioria prefere o gentio.

Contudo, no que diz respeito aos Palestinianos são todos pela expulsão.

Casamentos civis não existem, e casamentos com palestinianos são ilegais. Os Rabis oficiantes são sempre ultra-ortodoxos. E como os casamentos são a solução clássica para a assimilação entre povos, falar em assimilação dos árabes à sociedade Israelita é fantasia. Após duas ou três gerações sujeitas a um apartheid totalitário, a esse povo, institucionalizado pela prisão em que vive, só lhe resta o suicidio, como prova o ataque recente da Hamas em Gaza.

É presentemente uma sociedade racista, segregacionista e triste. A atmosfera é tensa e o futuro incógnito. Mas com intelectuais como Shlomo Sand, Ahron Bregman, Avi Shlaim, o obscurantismo terá que desvanecer.

Haja esperança.

José Luís Vaz Carneiro
Tucson, Outubro 2023

 

FONTES e GLOSSÁRIO

The Invention of the Jewish People de Shlomo Sand. Desmonta completamente o ideário Zionista. Foi best seller em Israel durante sete semanas.

Israel’s Religiously Devided Society Pew Research Center

Yeshiva, escola religiosa

Fotos de Manuel Rosário

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Escrito por

Médico Hospitalar (EUA)

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Últimos comentários
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    Muito interessante.
    Resta-lhes o suicídio???

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      O ataque do Hamas é puramente suicidário. Os palestinianos váo acabar refugiados noutros paises arabes, e os judeus ocuparão Gaza. Isto é tão evidente, que desconfio do meu julgamento. O que estará por detrás tudo isto ?