De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...
 

O templo perdido de Sesa Naga (segundo episódio)

Estávamos à frente de uma grande lage que bloqueava por completo o estreito caminho. Trilok meteu a mão numa pequena fenda quase imperceptível e a pesada pedra rodou silenciosamente como por milagre, desimpedindo o caminho.
À minha frente um pequeno compound rodeado por um muro liso. Um arco de pedra anunciava a entrada. Percy Fawcett ao encontrar a lendária “Z” ou Hiram Bingham ao avistar pela primeira vez Machu Picchu não estavam certamente mais emocionados que eu. Lá dentro no meio da vegetação rasteira e por entre as árvores viam-se
múltiplas estruturas planas e extraordinariamente lisas com elementos simbólicos justapostos. Como por milagre o denso nevoeiro ia tendo fugazes abertas. Pensei no meu amigo Manuel João Vieira, o eminente antropólogo e com a minha Contarex comecei a documentar o que via. Trilok explicava-me alguns dos símbolos dos altares sacrificiais, as Phiragarabara que simbolizavam o poder fertilizante masculino penetrando os intricados semicírculos que simbolizavam a fertilidade feminina, o caracol que representava o milagre da agricultura, os seios que simbolizam a maternidade, os triângulos representam a hierarquia religiosa, as montanhas que simbolizam a ilha de Baratang, as estreitas passagens que separam o paraíso do inferno….

templo perdido de sesa naga
templo perdido de sesa naga

Os sacrifícios humanos de jovens virgens com 18 anos tinham sido abandonado há muitos anos disse-me. No seu ponto de vista talvez por anos antes um Gujarati bêbado que fazia um cinema ao ar livre de ilha em ilha ter projectado numa matinée infantil “Emanuelle” em vez de “Musica no Coração”…
A explicação de Trilok sobre a inesperada consequência foi subitamente interrompida por um barulho ensurdecedor e a terra começou a tremer…
– A maldição!!! exclamou Trilok. – Não te podia ter trazido aqui!!!! – Foge rápido!!!! Corremos para a saída, o arco de pedra oscilava e começava desmoronar-se. Tropeçávamos pelo estreito carreiro abaixo, na minha precipitação deixei cair o saco com o meu precioso Nagra por uma ribanceira. -Tenho que o recuperar!!! gritei.

templo perdido de sesa naga
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Trilok precipitou-se pelo declive para o apanhar, mas subitamente uma brecha enorme abriu-se na terra e foi engolido, desaparecendo para sempre. Com a minha Contarex a tiracolo corri tropeçando pelo caminho abaixo. A chuva tinha começado a cair torrencial, os fumos de enxofre cegavam-me e faziam-tossir, os abalos sísmicos sucediam-se. Atrás de mim vi desabar toda a encosta com o estreito carreiro que levava ao templo. Ao anoitecer, extenuado acabei por adormecer debaixo de um gigantesco Ficus. Acordei com um som invulgar, uma sucessão de notas harmoniosas sempre diferentes com um padrão por vezes cíclico como se fosse uma fuga de Bach!!! O Cuicui!!!! O canto cessou abruptamente. Na folhagem densa não consegui vislumbrar os pequenos pássaros…

templo perdido de sesa naga
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Durante dias errei perdido pela floresta tentando encontrar o caminho de volta para a costa.
Quando finalmente consegui de novo encontrar a aldeia foi acolhido com hostilidade, ninguém me dirigiu a palavra e fui escorraçado à pedrada. Toda a gente parecia saber o que tinha acontecido. Vagueei pela praia desolada durante dias valendo-me dos poucos txarros que conseguia roubar durante a noite
Ver o malfadado cargueiro aparecer na linha do horizonte foi para mim um alivio. Consegui a custo que um dos marinheiros me levasse ao capitão e entregando-lhe todo o meu dinheiro comprei uma passagem para Port Blair. Colapsei, ardendo em febre, na esquálida e fétida cabine…

templo perdido de sesa naga
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Acordei pesadamente, não sabia onde estava. O rosto amigo de Basilio inclinava-se para mim com inquietação. – Basilio onde estou, perguntei eu. – No Lady of Our Mercy Hospital de Calcutá, respondeu ele. O meu agente em Port Blair telefonou-me a dizer que tinhas chegado em coma à ilha e eu mandei o meu avião buscar-te de imediato. Estás a dormir à quatro dias. De repente tudo me veio à mente… – E a Contarex!!! perguntei eu subitamente angustiado. – Sossega, disse Basilio, está um pouco maltratada mas sobreviveu.

templo perdido de sesa naga
templo perdido de sesa naga

Como não tínhamos a menor ideia do que te tinha acontecido tomei a liberdade de revelar pessoalmente o filme Ferrania que estava lá dentro na esperança de podermos perceber alguma coisa, havia umas imagens bizarras de coisas que não consegui identificar…
Contei a Basilio a minha inverosímil história. Ficámos a olhar longamente para aquelas imagens do templo desaparecido para sempre.
Uma semana depois já completamente restabelecido embarquei para Londres. No voo conheci Kate, aquela que depois se tornou a minha mulher. Instalamo-nos no Devonshire onde cultivamos mirtilos, nunca mais voltei a Baratang, nunca mais saí de Inglaterra.

Coronel Archibald H. Fluffy

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Escrito por

Nasceu em 1940, filho de Percival Fluffy (adido naval na embaixada britânica em Lisboa de 1951-1965) e Pamela Cavendish, estudou no St. Julian's School em Carcavelos e depois em Eton College em Windsor. Aos 25 anos ingressa no Foreign Office destacado para a Malásia em 1965 durante Commons Insurgency, 1971 no Bangladesh durante a Liberation War e finalmente com 39 anos no Afganistão em 1979 durante a ocupação soviética. Agraciado com a Ordem de Mérito aos 39 anos por serviços prestados durante este último posto.

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