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Pedro Chorão, O Princípio da Paisagem

O Princípio da Paisagem

Ciclo de pinturas de 2020, na Galeria Monumental.

O título que deu ao primeiro quadro é o título que se aplica ao todo do ciclo apresentado e que terminou hoje, 13 de Dezembro de 2020, pintado pelas horas dos dias e das noites, ao longo destes últimos meses, já de Pandemia.

A Pandemia fez com que fossem autorizadas poucas pessoas de cada vez na exposição. Mas talvez por isso o enorme banho de azul que nos envolvia à entrada nos tivesse ajudado a ficar, permanecer um pouco mais tempo, naquele deslumbramento inesperado de côr. Diria melhor de cores, porque havia cores interrompendo o azul, cores mais negras, mais brancas, mais cinzentas, pedras à beira-mar, águas que se fundiam com o céu, nuvens que espreitavam numa interrupção de tanta unidade e perfeição. A perfeição é um excesso, sabemos que não existe, procura-se e nisso reside o que Pedro define como “pintar para mim é trabalho”. É o trabalho da busca e da insatisfação, uma pincelada que fecha uma ideia, outra que volta a abrir, um risco que separa dois mundos, duas paisagens que se contrariam para melhor se completarem no todo que afinal será o quadro acabado, fechando o ciclo.

Um tema tão complexo como este, da Interrogação sobre o que é, como surge, o Princípio, da Paisagem, aqui, mas que poderia ser do verso do poema, ou do pensamento do filósofo, (o que é Pensar, como se interrogou Heidegger) obrigava a que a obra se organizasse num ciclo. Num só quadro não se esgotaria uma problemática tão complexa e tão vasta. O começo foi talvez o arranque inspirado, mas contendo já muita matéria de desenvolvimento e trabalho. O tal trabalho de que fala o artista.

Na edição que Luís Porfírio preparou sobre a obra de Pedro Chorão, O Que Diz A Pintura, podemos acompanhar os momentos mais importantes da sua vida, da sua aprendizagem da pintura em Belas Artes, e da necessidade de ter profissão para ganhar a vida (ser artista não era, como ainda não é profissão) e poder pintar, no seu silêncio à margem de eventos promocionais que não apreciava. Resguardava-se, e era nesse silêncio que procurava o seu verdadeiro trabalho de pintar.

Nas obras dos anos setenta e já em Paris, convivendo com o gosto da busca, da invenção, da experimentação livre dos surrealistas, ia formando a sua própria concepção do que era pintar, e do que a pintura, dos outros que conheceu e com quem conviveu, e da sua própria, poderia dizer.

Para ele, como se adivinha ainda hoje, neste ciclo de 2020, não fazem falta muitas palavras, elocubrações que não aclaram, confundem, e são tão características da crítica em Portugal.

O que a pintura diz está nela, no quadro pintado.

Como Bernardim Ribeiro dizia da Menina e Moça: o livro há-de ser o que nele vai dito.

Ora Pedro Chorão, é também na pintura que está a pintar ou que já terminou, que disse o que tinha a dizer, e ali vai pintado.

Nos anos de 70 e 80, notamos já o gosto pelo trabalho da côr, nos quadros em que predominam cinzentos, de várias tonalidades, ou mesmo o preto, que tem nele e nas suas geometrias de régua e esquadro uma proporção que não se apagará de futuro como marca fundamental. Nos primeiros quadros desta fase o movimento da pincelada é vertical, quase sempre. Ou atravessado mas ainda por uma geometria contida, que só se irá libertando adiante, com interrupções doutras cores, entre elas o branco, tão importante, e o azul, que permanecerá até agora, impondo o seu esplendôr.

Às fases anteriores da sua pintura, sempre original, buscando romper formas, poderíamos talvez chamar exercícios, experimentações, como nas colagens, reflexões sobre movimentos da pintura anterior, nossa e de outros. Mas em todas se adivinha a mão que procura sem parar, a ideia que conduz para algo de novo, ainda nunca feito, o modo de principiar.

E chegamos assim a este conceito tão desafiante do Princípio.

O que é afinal, em Pedro Chorão o Princípio da Paisagem? O rasgo do primeiro movimento da mão ao escolher a côr, ao agarrar o pincel? Ou aquela paragem diante de uma tela em branco, apelando a que interrompam tanta pureza que tudo absorve, pois o branco é assim, e nada revela, quando criar é precisamente o contrário, é revelar?

Só ele, o criador saberia dizer. Pensou primeiro, hesitou, decidiu? Ou foi levado por decisão que se lhe impôs quase sem ele dar por isso? O segredo do princípio da paisagem está contido na paisagem e nunca poderá ser completamente explicado.

E de resto para quê a explicação, quando uma paisagem o que exige é contemplação? E num ciclo que teve princípio e fim nele mesmo, só a contemplação permite entendimento e emoção?

Do primeiro ao último dos quadros, acabado entre ontem e hoje, surge uma linha divisória nítida, separando dois mundos, duas cores que nos anteriores se tinham fundido quase por completo. Na fusão tinha havido um movimento suave, deslizante, que agora estava quebrado. Na fusão havia uma esperança de paz, que a pandemia actual quebrara, e um criador vive o seu tempo, no seu tempo, e não pode esconder essa realidade que integrou o seu ser, como diria Pessoa, pois a interrogação e a realidade do ser é o que faz de nós o que somos. Mas…olhando melhor e procurando detalhes que podem conter alguma escondida mensagem, reparamos que na parte superior do quadro, a mancha da treva negra se aproxima cada vez mais da nuvem branca que paira sobre ela. A ponto de no branco já se notarem suaves reflexos do negro… Esperança afinal de união? e de que modo? O negro devora o branco, ou este sublima o negro, acedendo a uma outra esfera a da Conjunção alquímica que Jung abordaria?

É bom não ter resposta, para já. Quem sabe não estaremos a ver o Último, mas um novo Princípio de gesto nunca acabado.

Pedro Chorão

O ÚLTIMO

Hoje disseste
este é o último
já fiz o que queria fazer
está feito,
e o que podia dizer
está dito.

Fechaste a porta,
assim ninguém entraria.
Correste bem as cortinas,
e sentado no sofá
tentaste adormecer.

Mas o sono não vinha,
só te ocorriam ideias
e perguntas de difícil resposta:
ergui um muro branco, alto,
a separar as águas existentes,
as águas superiores
do céu,
as águas inferiores, da terra.

E as outras,
as águas que não se adivinham,
onde se afogam as almas
que julgam ter acabado
os seus começos de vida…

Yvette Centeno
13 de Dezembro de 2020

Este ciclo que agora estará terminado (mas quem sabe o que se lhe seguirá? ) exige que se faça nova exposição. E que as Paisagens encontrem num museu à altura o espaço que lhes é devido.
Espaço devido a um dos maiores pintores da actualidade portuguesa.

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Será sonho ou realidade/ ver Mignon naquele Jardim/ o limoeiro florindo/ ela tecendo flores/ coroando o seu Amado?/ -Vem comigo, vem comigo...

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Escrito por

Nasceu em Lisboa, é casada, tem quatro filhos. Cresceu numa casa onde havia livros. Leu sempre, leu muito, de todas as maneiras. Doutorou-se em Literatura Alemã, mas interessou-se sempre por História das Ideias, História de Arte e Literatura Comparada. É Professora Catedrática da Universidade Nova de Lisboa, onde criou os primeiros cursos de Tradução Literária. Tem obra de ficção, poesia, teatro e ensaio publicada em várias línguas. Quanto à música, as preferências andam pelo jazz, Mozart e Wagner… Foi recentemente distinguida com a Medalha de Honra do Autor Cooperante pela Sociedade Portuguesa de Autores (SPA).

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Últimos Comentários
  • Querida Yvette,
    Oa azuis do Pedro Chorão entram-nos pelos olhos dentro, como o céu de Lisboa em muitos fins de tarde. As manchas de cor justapostas, sem detalhes mas com contrastes marcados fazem-me lembrar o nosso mecanismo da visão. Na realidade, só vemos os detalhes daquilo que fixamos; o resto são apenas manchas e contrastes, que processamos no cérebro.
    Para além disso, que dizer do seu texto sobre o Pedro Chorão? Está lá tudo, na escrita elegante e depurada a que já nos habituou. Sem rodriguinhos nem pseudo-intelectualidades e principalmente a abrir pistas de reflexão. Cinco estrelas. Obrigada.
    Isabel