Para a doutora Minnie Freudenthal
Não é o nosso trabalho que nos santifica,
mas somos nós que santificamos o nosso trabalho”
Mestre Eckhart
Certo dia pus-me a cismar que houvera uma tal palavra que quando pronunciada explicaria todos os enigmas do mundo. Uma palavra mágica que abençoasse a vida, que iluminasse a mente dos homens, uma palavra que fosse adorada e protegida, tal fogo de Prometeu.
Mais tarde, descobri que essa palavra já existia e que não estava escondida em nenhum papiro secreto.
Estava eu sentado no átrio do aeroporto de Banguecoque quando li num cartaz turístico “não procure mais, o paraíso é aqui”.
O paraíso. Alojei essa palavra na alma como quem guarda um segredo e quis aprender tudo sobre ela. Aprendi que a palavra paraíso deriva de uma palavra muitíssimo antiga pairidaeza e que significa na língua persa simplesmente “muro em volta”.
Reza a história que Xenofonte – um filósofo discípulo de Sócrates e soldado mercenário – aderiu à campanha militar do príncipe persa Ciro com o objectivo de destronar o seu irmão Artexerxes II. Durante esse acontecimento militar, Xenofonte registou num livro as suas impressões pessoais do fabuloso mundo persa. Visitou o palácio do príncipe e o seu magnífico jardim dotado de vegetação exuberante e habitado por animais selvagens. Este lugar era chamado de paraíso, porém, não se referia nem ao jardim nem aos animais, mas aos muros que os protegiam do exterior. O paraíso era um lugar privilegiado, resguardado por paredes, reservado a poucos que ali caçavam e passeavam, tal como hoje um resort turístico pode ser a imagem de um paraíso.
Mas melhor do que os livros para perceber o paraíso são os tapetes persas, no interior dos quais esses paraísos foram magistralmente representados. As suas margens definem os perímetros do jardim, tal como os muros, no interior dos quais são exibidos motivos cinegéticos, caçadas, perseguições de animais e que posteriormente surgem estilizadas com padrões mais abstractos. Essas representações do paraíso são típicas dos tapetes persas, transformando o tapete num autêntico souvenir do paraíso. Este objecto, muitíssimo apreciado, é um amuleto de felicidade. Imagino que por essa razão, os nómadas árabes que cruzavam as terras áridas, repousavam sobre os tapetes e, desapossados de todo o conforto material, sorviam chá como imperadores do invisível. Sentados sobre aquela franja de tecido era como se habitassem um palácio suspenso nas nuvens efémeras. O pequeno tapete é um recinto sagrado.
Este uso do tapete ensinou-me que o paraíso é um lugar simbólico: é uma coisa que significa outra. Para alcançar o paraíso não é preciso possuir um palácio, habitar um jardim ou ascender ao céu. O paraíso cabe inteirinho numa carpete enrolada, que se estende em qualquer parte do mundo. Esse tapete guarda a mais bela história do mundo, e aquele que o possui, um dia descobrirá que o paraíso não está no lugar aonde se chega, mas no que se faz quando se chega.
Se todos os homens conhecessem o segredo do tapete, todos desejariam possuir um e sobre ele reinar. Cada um soberano de si mesmo, cuidando do paraíso que lhe coube. E todos esses tapetes juntos, quiçá, formassem um único tapete, e o mundo um mundo de paraísos. O mesmo mundo, mas de outra maneira.
Ivo Lima Carmo
V. N. Milfontes




Fotos de Minnie Freudenthal e Manuel Rosário