Envolta. Embrulhada. Enrolada.
Nos adjectivos dos que me rodeiam.
Perigo!
Maluca!
Segurança!
Bombas!
Coragem!
Nos preparativos que sempre antecedem uma saída.
E, metaforicamente, no lenço que terei de usar à volta da cabeça.
Vai esconder os meus cabelos e terá que o fazer também ao turbilhão que irei sentir assim que o tiver de pôr. Tudo o que me limita, perturba-me.
Eu sei. É só um trapo. Terei de superar este aperto que sei de antemão que me vai
enrolar
envolver
embrulhar
apertar
sufocar.
Não sei se conseguirei aceder ao Google para enviar mails. Sem Google não há gmail.
Vamos ver… Bjs. Radiante por ir…



Felipa fugiu do Irão
Bad people. Money in pockets. A família dispersou. Uns para a Europa, outros para os EUA, ela em Toronto. Num inglês soluçado contou-nos o que vinha fazer. Vender os bens que tem e voltar para a terra que não é a dela mas afinal já é.
Sexta feira casou a filha. Ouvimos histórias, ela mostrou, explicou, cantou, encantou. Um orgulho enorme no que conseguiu. Vestidos de lantejolas vimos três. Perucas, tenho sessenta e cinco!
Depois, o avião aterrou.
Adeus Felipa. Obrigado pelo acolhimento, pelo sorriso, pela gargalhada. Que bela chegada!



Povo que ri
Vamos sair de Teerão, vamos para o Sul. Não sei como será a internet por lá, por isso envio já o texto que seria para amanhã. Ainda tentei anexar uma fotografia, mas não consegui.
Povo que sorri, povo que ri. Mãe e filho, marido mulher, namorados e jovens entre si. Cruzamo-nos com elas, cruzamo-nos com eles. Primeiro entreolhamo-nos timidamente. Segue um sorriso velado. Rasgam-se os olhos e acabamos num gesto recíproco de simpatia. Bonitas de tanto sorrir. Fico com vontade que pare o tempo, vontade de inspirar e guardar o doce sentir.
De sorrir passou a rir, a gargalhar. Que bem dispostas são. Somos curiosidade. Não há turismo. Elas falam farsi. Nós português. Mas os gestos, os olhares, o rir, o abraçar não tem diferenças não. Povo maravilhoso este!



Morti
Temos um guia que tem um nome que já ou ainda não me consigo lembrar, a quem chamamos Morti por ser parecido com o seu verdadeiro. O Morti é Iraniano, fala um espanhol até razoável, com alguns erros que nos fazem rir. Nasceu já no pós revolução. Monocórdico, sem grande entusiasmo, com algumas limitações se lhe fazemos perguntas fora do que é suposto dizer e com algumas afirmações algo duvidosas. Mas o que é mesmo engraçada é a propaganda mais ou menos subtil que nos vai passando durante o dia. Alguns exemplos:
Todos os Iranianos têm um sistema correspondente à Segurança Social que lhes paga tudo. Internamentos, tratamentos de doenças crónicas, dentista, etc..
Todos os Iranianos têm um rendimento pago pelo governo.
Todos os jovens têm acesso à escola e à Universidade, sendo que os melhores alunos têm universidade gratuita.
Etc… etc… etc…
Esta tarde, ao passarmos em frente ao que foi a embaixada americana, explicou a invasão e destruição da mesma por parte dos estudantes. Foi espontânea diz ele. O “poder” não sabia de nada. Só mais tarde foi informado.
Está bem…. eu finjo que acredito…
Triste ver o edifício tão degradado. Há milhares de jardins maravilhosos nesta cidade, mas este está completamente destruído.



Estou a amar este povo
Sim. Gosto de ver as mesquitas, os bazares, os jardins (destes falarei mais à frente), os palácios, as decorações, os azulejos. Magníficos.
Mas o que eu mais gosto é de sentir a população.
Vou deixar aqui alguns exemplos, tentarei enviar as respectivas fotografias, mesmo que tenha de ir para o lobby do hotel.
O Mullah
Na mesquita perguntámos ao Mullah, vinte e oito anos, que por ali andava sozinho. O que estás aqui a fazer? Tranquilamente e no seu belo inglês explicou: Conversar e mostrar às pessoas que o Islão não é aquilo que pensam. E fez-se silêncio…. E porque escolheste ser Mullah? Encolheu os ombros. Foi uma decisão que tomei ao fim de seis meses. Ia fazer medicina. Pergunta a Teresa, a curiosidade não contida. Vocês vivem em comunidade como os padres e frades católicos? Não. Vivemos como pessoas normais. Puxa o telefone e mostra-nos a fotografia da filha. À despedida estendemos-lhe a mão. Com um sorriso maravilhoso, encostou a sua ao peito e recusou.
A senhora muito gorda que vinha do Norte do Irão
Posihdfbv rifjbvrovj bijidhfb roijfv Hkdijf bvribjfkjf ( muitos risos, muitas gargalhadas, muitos beijos)
A nova geração feminina
A arquitecta, a dentista, as amigas, os linhos, as sedas, as carteiras, as jóias. E os lenços. Daqui a um a dois anos estarão as coisas mudadas dizem-nos.
O vendedor do Bazar
Eu ia comprar figos, mas ele deu-mos. Uma mão cheia.
O nosso guia, o Morti
O nosso muezin, o nosso tenor, o nosso cantor de flamenco. Na mesquita, sob aquela acústica maravilhosa.
Foi longo o texto hoje, mas não sei outra forma de vos conseguir falar do meu encantamento por estes persas maravilhosos.



Shiraz
Os jardins são maravilhosos. As flores são milhares. Nos parques, nas estradas, nas ruas, nas esplanadas. Canteiros horizontais, canteiros verticais, flores rasteiras, milhares de rosas. Árvores. Imensas árvores. E foi assim que fui ficando curiosa quanto ao abastecimento de água para a rega de toda esta vegetação.
E imaginem! Shiraz está situada num vale totalmente árido e tem uma média de superfície verde por habitante de 28 m2 por habitante. Espantoso.
Um sistema de captação e gestão de água com 3.000 anos. Quatro canais subterrâneos que a coletam da montanha a 30 m de profundidade e 210 cisternas de distribuição. Os famosos qanats, escavados em montanhas rochosas, milagre da engenharia. A água vai aparecendo nestes jardins, nos jogos de água, nas cascatas aqui e ali ao longo das estradas proporcionando uma sensação de frescura e bem estar.
Que lição civilizacional! Tão bom…



Sabores da terra manjares do céu
Maravilhada com o que vejo, com o que sinto. Mesquitas, palácios, jardins, cidades de adobe, deserto montanhoso, praças e medinas, túmulos de poetas e outros de grandes imperadores, restos de esplendor.
E tão surpreendente quanto o resto, o sabor.
Arroz de limão
Arroz de laranja
Arroz de pistachio
Arroz de açafrão
Mistura de sabores.
Regados no pão.
Frango com romã, ameixa amarga
Borrego, beringela, cebola e noz
Pudim de verdes com leite de coco
Açafrão e canela em água de rosas
Sabores da Terra, Manjares dos Céus.
De comer e viver por mais.



Lição de Vida
Começamos a viagem de regresso.
Deixo este país com o compromisso de o divulgar e de dizer a quem quer cá vir que o faça depressa. O Irão desperta lentamente para o turismo. Já há locais que perdem a sua energia e grandiosidade pelo facto de já terem tantos turistas. Milhares de anos de História que mereciam a tranquilidade do tempo que passou.
Os hotéis em que ficámos, construções recentes com grande classificação, têm ainda muito a melhorar. O serviço, a internet, as instalações. Mas tenho a certeza que um dia vão chegar ao nível a que o turismo internacional está habituado.
A sociedade e seus costumes certamente que acompanharão.
“Mais vale uma evolução lenta mas sustentada que uma revolução com as consequências que conhecemos da chamada Primavera Árabe.” Frase do nosso Morti. Mais uma vez digo. Não sei se propaganda encomendada se frase sentida.
No entanto venham. Venham conhecer este povo tão alegre, tão risonho, tão bonito, tão carinhoso. Nunca senti nada assim por onde andei no mundo. Saio de sorriso gravado.
Venham ver o quão evoluído é. Cidades limpas, organizadas e cheias de jardins. Levo a frescura que estes nos dão.
Venham ver e sentir que o Irão não é o país assustador que nos é apresentado na comunicação social.
Lição de Vida que levo na mala de regresso.
Até à próxima. Desta vez ainda nada na manga. Mas vai aparecer. Eu sei.
Galeria de imagens
Fotos de Benedita Vasconcellos, Minnie Freudenthal e Manuel Rosário
Isabel almasqué | 2018-06-28
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Estive no Irão o ano passado e vim exactamente com a mesma sensação: gente afável, culta, civilizada e orgulhosa da sua origem persa.. Nada das patranhas que nos impingem sobre o Irão. Viajei de Teerão até Ormuz. Fiquei com vontade de voltar.
Benedita Vasconcelos | 2018-08-24
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Também eu Isabel. Voltar sem camionete e sem horas marcadas. Ir e sentir e voar ao sabor do que me apeteça.