De A a Z, tudo se pode fazer DE OUTRA MANEIRA...
 

Fim de semana no Dubai

Não sabia de todo o que me esperava e as expectativas deixavam prever uns dias um pouco desconfortáveis. Enganei-me. Ao terceiro dia a minha resistência quebrou. Absolutamente impressionada! Quinhentos mil nativos extraordinariamente protegidos pelo seu sheik, que não só não lhes cobra impostos, como investe inteligentemente na sua educação e formação. E há três vezes mais habitantes oriundos de todo o mundo. Filipinos, chineses, indianos, iraquianos, mexicanos, afegãos, brasileiros, europeus, sírios… Todas as nacionalidades. Querem trabalhar? Então venham. Há muito muito dinheiro, muitos muitos projectos, muito muito trabalho. E que venham os arquitectos! A imaginação não tem limites. E que venham os engenheiros! O desafio deve ser imenso. Todos procuram luxo, todos o tentam fornecer. É tudo tão bonito, é tudo tão grandioso, é tudo tão limpo. E de uma dimensão inimaginável.

Claro que não se tem acesso ao lado menos humano e que está certamente escondido. Mas para que lado pende a balança?

Este taxi pertence a uma companhia do governo. Trabalho 12 horas por dia, 7 dias por semana. Recebo 25% de comissão sobre o valor cobrado e tenho sorte, pois se estiver muito cansado posso encostar o taxi e dormir um pouco.
Com o meu ordenado aqui, posso ter uma vida de muito luxo no Bangladesh.
E todos os anos vou visitar a minha família durante dois meses. O Sheik paga-me o salário durante esse tempo. He is a great man.

Passo a passo, metro a metro, vai o homem vencendo o deserto. Cem quilómetros de um imenso tapete de alcatrão desenrolado sobre o deserto. Cem quilómetros de rega ao longo da estrada. Dá de beber aos cem quilómetros de árvores que ladeiam a mesma. Dum lado. E do outro. Estrada sem lixo, estrada sem plástico, sem gente. Uma limpeza aparente, exterior, imposta. Só carros. Novos, novíssimos, potentes, potentíssimos.
Do lado direito e do lado esquerdo, a imensidão do deserto.
Na cidade não há barulho. Não se ouvem buzinas, não se ouve música, não se ouvem risadas, conversas, partilhas ou confidências. Nem se ouve o coração de pedra de cada um dos edifícios que, apesar do imenso calor, impõem a sua fria e rígida altivez.

Desta vez, e por agora, o Homem venceu a natureza.

Acho que todas nós já brincámos às burcas, enfrentando o espelho de lenço enrolado à cabeça, a boca tapada, os olhos a rir. De troça, de graça, de curiosidade. Na cumplicidade das amigas, esta brincadeira é sempre alvo de comentários divertidos e grandes gargalhadas. Talvez reflitam o medo do desconhecido. A dúvida e a incerteza muito muito escondidas no fundo de cada uma de nós. Será que um dia vou ter de a usar?
Por imposição, mas cheia de vontade de experimentar o uso da abaya em situação real, fui a primeira a vesti-lo. Saímos do vestiário ao encontro dos nossos homens. Não consegui olhar para eles. Humilhada e envergonhada, chorei com desespero. Por mim mulher subjugada por um trapo negro, e por todas as outras mulheres que não os vestem a fingir.
Acho que nunca poderia ser atriz. Vivo demasiado intensamente os papéis que a mim própria vou distribuindo.

Benedita Vasconcellos
Outubro, 2015

Fotos de Minnie Freudentahl e Manuel Rosário

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Escrito por

Nasci em Lisboa, estudei na Escola Alemã. Tenho três filhos espalhados pelo mundo que adoro visitar, para além dos outros lugares no mundo a que tento chegar. Dona e gerente de um Hostel em Lisboa.

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