Em 2014, para comemorar os 40 anos do 25 de Abril, lançámos esta pergunta:
Como acha que se vai comemorar o 25 de Abril daqui a 40 anos?
Daqui a 40 anos, correrá o ano de 2054, os meus filhos terão 80 e 69 anos respectivamente, eu velarei por eles através das estrelas e dos meteoritos, instalada na imensidão da poeira cósmica e, Portugal terá conseguido, ou não, guardar a memória plena da data em que este velho e estimável país viveu um salto epistemológico incompleto deixando-nos rapidamente no deserto pouco florido do reino do curto-prazo e do fácil, do partidarismo sem desígnio, sem horizonte. Na 1a dinastia foi a luta pelo território, na 2a os oceanos e o cruzamento do mito e das patacas, na 3a éramos outros já, a 1a república enrodilhou-se numa enxovia de ideal e perdição… hoje, o vetusto Portugal, talvez mais sábio, vê, claramente visto o seu próprio sofrer desamparado, incrustado que está numa Europa enfraquecida nos valores, prisioneira do Darth Vader financeiro, infectada da cegueira civilizacional que, noutra época, assistiu, sem ver, ao termo do Império de César.
Daqui a 40 anos, a minha neta terá 42 anos, terá filhos talvez, e quem sabe, terá a sua geração arribado a portos do conhecimento e do saber, da inteligência e da bondade, a partir dos quais tenham podido reformular a sociedade ‘inside-out’, lançando os fundamentos de um mundo no qual haja espaço e lugar para a formulação da equação – só pelo amor (no sentido lato) a humanidade se poderá salvar – mesmo que isso tenha de acontecer num outro qualquer planeta tal é a aceleração do conhecimento, avassaladora, sempre muito à frente da capacidade de enquadramento ético-jurídico-emocional.
Daqui a 40 anos o 25 de Abril…os cravos vermelhos…o sonho de um país melhor e mais justo…a vontade de um país inteligente e aberto ao mundo e ao conhecimento…um país onde fossem menos os que sofriam mais… Sim, espero que sim, que fique a lição de que não basta sonhar, nem mesmo basta lutar… – mas que é preciso sonhar e é preciso lutar, sempre, mesmo que para reinventar uma outra matriz, um novo desígnio, um horizonte de ‘humanitas’ no seio da humanidade.
Faço votos de que perdure a memória do 25 de Abril pois, ‘não há eternidade sem memória’.
Maria Antónia Gentil Quina


Com outro filme do Manuel de Oliveira, que estará mais vivo do que nós e do que o próprio 25 de Abril.
Desdenhado este ano, pela segunda figura do Estado, será um cadáver adiado.
Quem teve a memória do “antes”, e a memória do “depois” sabe que o 25 de Abril trouxe liberdade, e uma forma, ainda em construção de Democracia.
Houve quem sofresse e perdesse mais do que ganhou.
Mas quem amou e lutou pela liberdade, e pelos direitos de todos (e não apenas dos simpatizantes do Regime) sabe que ganhou, para si e para filhos e netos o que desejo que não venha nunca a perder-se.
Mas sabe-se lá…a História prega partidas!
Yvette Centeno


Não vai!
Ana Marques Pereira
Daqui a 40 anos, cravos vermelhos só clandestinamente…
Cristina Gonçalves
só os com 90 anos se lembrarão dos eventos. feriados duvido que
ainda haja. cravos vermelhos, com esperança, talvez ainda existam…
Ana Marchand


Josefina Pereira da Silva abria o cortejo. Quantos seriam? 100? 120? Nenhum espanto. Um pequeno palco improvisado, que requerera muita burocracia e razões explicativas, encontrava-se no meio da sala iluminada por cinquenta lâmpadas led, as únicas permitidas em manifestações obscuras e de pouco relevo público. A sala pequena, no antigo e desactivado Teatro da Comuna, estava emoldurada por vinte agentes da Força Acarinhante com seus cães São Bernardo em cruzamento exclusivo ibérico com Pitbull. Esta força fora criada para carinhosamente desmobilizar qualquer ideia que quebrasse a harmonia da ordem vigente.
Josefina Pereira da Silva, 80 anos a cumprirem-se nesse dia 25 de Abril de 2054, avançou lenta, orgulhosa, um cravo vermelho na mão trémula, olhos aguados de velhice e emoção e parou junto ao megafone que o seu amigo e companheiro de vida, Tiago, comprara numa feira de velharias com a indicação de que fora usado por Salgueiro Maia no Largo do Carmo, há 80 anos atrás, para derrubar uma ditadura, para celebrar uma revolução.
Josefina Pereira da Silva falou durante vinte minutos-vinte minutos de exaltação, de esperança, de sonho, de ternura congelada no tempo destempado pela cobiça de alguns, pela ignorância de tantos, pela fome de muitos.
Um agente da Força Acarinhante entreolhou o colega a seu lado e murmurou: quem são estes? O outro, segurando firme mas com afecto o “sãoberbull”, respondeu: penso que estão em recuperação psiquiátrica e fazem parte do programa governamental de ajuda aos idosos com distúrbio senil.
Josefina Pereira da Silva sentou-se cansada. O esforço emocional tinha-lhe roto, como nos tecidos, algumas das suas energias poupadas. A seu lado apareceu uma jornalista, título académico investigadora da palavra dita e presumida, e pediu se a podia entrevistar. Certamente, menina. É bom saber que a sua geração está atenta.
Fale-me de si, do seu nome, da sua vida, dos seus ideais.
Bom, sabe, nasci no dia 25 de Abril de 1974, faço hoje 80 anos, às quatro da manhã. A minha mãe gritou vida quando a rádio clamava liberdade. Apareci em revistas como a bébé da nova madrugada. Minha mãe chamou- me Josefina como a Josephine Baker, arauto da solidariedade e da emancipação da mulher. Pereira da Silva, minha amiga, é a maior árvore genealógica de Portugal, é o rei sem reino, o herói sem batalha, o deus sem vingança, o povo sem prece, a dor sem destino, a ternura sem fome. Penso que tem a sua reportagem, menina, a palavra dita e a presumida. Agradeço-lhe saber-me ouvir mas creio que sem me sentir.
Luisa Folques


TEXTO 1
Daqui a 40 anos, tudo será virtual e o 25 de Abril também.
Cada pessoa, quando acordar de manhã do seu sono virtual, receberá directamente da estratosfera a energia necessária para a actividade desse dia e a lista dos lembretes será activada no seu lobo frontal. Entre eles estará: COMEMORAR O 25 DE ABRIL.
Activará então o painel de comandos virtual e escolherá, de entre muitos, o ambiente desejado para as comemorações: manifestação de rua, cerimónia solene, discurso formal, patuscada com amigos, visita ao quartel do Carmo, passeio em chaimite, ver o Couraçado Potemkine ou continuar a dormir.
Hesitará por não saber exactamente o que representa o 25 de Abril.
Activará o seu motor de busca virtual e no seu lobo temporal serão activadas duas alternativas:
25 de Abril de 1974: data em que Portugal conquistou a liberdade após 40 anos de ditadura politica;
25 de Abril de 2011: data em que Portugal perdeu a liberdade e ficou 40 anos sob ditadura económica.
Optará então pela hipótese: continuar a dormir.
Isabel Almasqué
TEXTO 2
O largo encontrava-se totalmente repleto de gente e de cravos vermelhos e a própria urna, que se encontrava no centro tinha o formato de um cravo vermelho gigante. Embora a expressão da maioria das pessoas que ali se encontrava fosse de incredulidade, alguns mostravam ainda um arremesso de revolta.
Coitado, sofreu bastante e foi muito maltratado durante a vida, diziam uns. Pois foi, e aqueles que lhe eram mais próximos foram incapazes de o proteger, diziam outros. Ainda se tivesse morrido de morte súbita, mas foi definhando, morrendo aos poucos, até que se finou. Também já tinha 80 anos, não era nada novo, o que é que se podia esperar, diziam ainda outros, tentando minimizar o sentimento de perda provocada por aquela morte.
Ao verem aproximar-se a chaimite que havia de levar o caixão para a sua última morada, a multidão começou espontaneamente a cantar a Grândola, Vila Morena.
Foi quando surgiram umas centenas de homens de walkie-talkie e óculos escuros que fizeram um cordão de segurança, impedindo o povo de se despedir daquele grande amigo.
Nessa noite, no telejornal surgiu apenas uma notícia em rodapé: Foi hoje a enterrar o 25 de Abril, após doença prolongada.
Isabel Almasqué


Daqui 40 anos a data 25 de Abril, será como o 1 de Dezembro, em que a juventude não saberá por que razão é feriado, nem o que na realidade terá acontecido que seja merecedor de tal diferenciação.
A verdade é que a realidade Europeia veio desvalorizar por completo o que aconteceu naquele dia. Se não tivesse existido, não teria Portugal entrado de qualquer forma na comunidade Europeia?
Não estaríamos a viver uma realidade parecida? E em que condições
E assim sendo, será que todos aqueles anos pós 25 de Abril, de “anarquismo” total, de falsas “liberdades”, de destruição do património, e do nosso tecido industrial, serão recordados como importantes na nossa história?
Com a distância podemos até ter movimentos que digam que essa data não seja merecedora de festejo.
Anselmo Vilardebó


Este texto não é dedicado nem a uns nem a outros. Este texto não é dedicado a ninguém. Este texto é dedicado ao fim do mundo e em louvor das árvores que nele sobreviverão. Este texto é dedicado a tudo aquilo que permaneceu e permanecerá fora da história: a natureza.
MEDITAÇÕES SOBRE O BOM TEMPO E O MAU TEMPO
1.
Naquela altura havia a esperança que a qualquer momento chovesse e que as estátuas ficassem molhadas. Mas naquele dia não choveu. As estátuas não ficaram molhadas. Hoje, por meio de estudos avançados, sabemos que naquele dia houve uma revolução, porém, sabemos que isso em nada interferiu com o tempo. Só a chuva molha as estátuas, só a chuva limpa a rua.
2.
A estatística confirma que uma grande parte da população deixou de ter esperança na meteorologia. As previsões raramente acertam, as estações já não são o que eram, ninguém arrisca comprar guarda-chuvas. As pessoas na sua generalidade contentam-se com a felicidade. Não se importam mais com o céu, nem com as nuvens. Nem com as estátuas.
3.
Estudos europeus concluem que os portugueses não toleram que o regime controle politicamente a meteorologia. Embora quase nunca chova, a chuva faz parte da crença nacional. Perante a ameaça do derrube do regime, o regime ameaçou acabar para sempre com a meteorologia. Dado este impasse, chegou-se a um árduo consenso que a muitos agradou e a muitos desagradou. Decretou-se que a chuva seria património imaterial da humanidade. Assim podemos amá-la e possuí-la ainda que ela não faça parte da nossa vida.
4.
Os mais cépticos cidadãos representam uma minoria afectada, encontram-se clandestinamente em lugares oblíquos e realizam danças tribais proclamando a chuva. Mais que chuva, dilúvio. Esses indivíduos que podem ser considerados apátridas são imediatamente socados por cinturões negros do a-e-i-o-u. Eles escrevem, eles falam, eles lêem. Eles vigiam a cidade. Eles impedem o fim do (seu) mundo.
5.
Se pensas em limpar as estátuas, se pensas em limpar as ruas, se acreditas na chuva, se ainda tens esperança no fim do mundo, se não temes os cinturões negros, se para ti a meteorologia ainda te diz alguma coisa, se desejas uma molha, se vives sob o signo do aguaceiro e consideras intolerável o que os políticos fazem ao céu com o intuito de proteger as estátuas então terás de revoltar-te IMINENTEMENTE.
6.
Eu sei o que tu pensas. Tu pensas: ainda que chovesse as estátuas não se molham. Foi assim há 40 anos. Será assim em 40 anos. Não o faças pelas estátuas. A história das estátuas deixou de ter importância. Já é tempo de ignorar as estátuas. Fá-lo pelas árvores. Fá-lo pelas ondas do mar. Fá-lo pelas montanhas e pelos desertos. Fá-lo em Abril quando as águas são mil. Revolta-te: protege o céu e terra.
Ivo Lima Carmo


Daqui a 40 anos as comemorações do 25 de Abril irão centrar-se na vitória de Angola sobre o Colonialismo, 80 anos atrás.
Além desta, celebrar-se-á também a vitória do povo angolano que libertou os outros povos colonizados e, num gesto de grande altruísmo e generosidade, entregou ao povo português (que durante séculos maltratara os angolanos e continuaria a fazê-lo não fora o heroísmo dos combatentes africanos), a liberdade política, pondo fim à ditadura. Não a liberdade económica que, essa, decaiu até à venda do país, por ironia do destino, à antiga nação oprimida.
Haverá discursos e, num gesto simbólico, uma menina de raça branca, vestida de vermelho e verde, subirá umas escadas, no cimo das quais se encontra um menino africano com uma túnica dourada. Chegada ao seu destino, a menina entregará ao menino um cravo vermelho e agradecer-lhe-á em nome dos portugueses.
Depois, para mostrar a sua magnanimidade, um general angolano condecorará algumas figuras que se destacaram no campo da Cultura, Artes, Ciência e Desporto durante as duas últimas décadas.
Luísa Beltrão



Luís Lage
Fotos de Minnie Freudenthal e Manuel Rosário